Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

Filha única, aprendi na marra!

Ele já fazia parte da minha vida desde o dia em que eu nasci. E desse dia, até o dia da sua morte, ele nunca deixou de fazer parte da minha vida.
mariana
Mariana e Eduardo

Entorpecimento talvez seja a palavra que mais se encaixa ao recebermos a informação do abrupto rompimento de um vínculo: a morte de alguém que amamos muito.

Depois da rasteira da notícia, o primeiro sentimento doloridíssimo: Por que com ele? Por que não eu? Que peso não ter sido a escolhida!

E a partir dali o maior desafio da minha família era viver a despeito daquela dor. O que fazer com a morte e o que fazer com a vida no mesmo instante? Ambas ali, juntas? Como ajustar-se ao meio na qual aquele ser único e amado não pertence mais? Como conviver com esse vazio? Como fazer para viver sem a sua companhia? Como aprende a ser filha única? Alguém me ensina?

Durante 17 anos da minha vida acreditei cegamente que ele seria meu maior companheiro, o companheiro para o resto da minha vida.

Durante muitos anos minha companhia de quarto, de dormir e acordar junto, de viver junto, de fazer tudo junto. De brigar junto e fazer as pazes junto. Certamente aquela pessoa a quem você recorre sempre que precisa.

Será que serei suficientemente boa filha a partir dessa tragédia? Será que poderei ocupar o espaço dessa dor? Será que poderei suprir a dor dos meus pais? Por que não eu? Talvez porque a gente não escolhe morrer. Se fosse uma opção, eu certamente teria ido no lugar dele.

Será que meus pais suportarão essa dor? Juntos? Separados?

Nova perda:  pais separados. Alguém me ensina a aceitar a realidade dos fatos? Filhos querem ver pais juntos, unidos. Nesse momento, onde todas as dimensões do luto estão presentes, filhos jamais querem ver pais separados. Filho, na hora da dor, quer abraçar pai e mãe, preferencialmente em harmonia. Jamais desejam pais em desarmonia.

Tinha uma única certeza: algum dia a vida me mostraria o porquê disso tudo. Não sabia da onde vinha tamanha certeza, mas ela estava presente dentro de mim desde sempre. A partir desse dia, Papai do Céu ganhou nova companhia, alguém que cuida de mim como um anjo e segue confortando meu coração em todas as minhas orações, escolhas e encontros. Além de acessar minha coragem e me impulsionar para frente, com toda amorosidade.

Não há morte pior ou melhor, assim como em outros lutos, perder irmão também vai além da dor física e da total desorganização mental, são as tais “perdas secundárias”.

Será que conseguiria conviver com aquela saudade de momentos nunca vividos? E sobrinhos? Como vou viver sem sobrinhos, sem cunhada, ou eventualmente cunhado? Não importa. O que importa é que vivo diariamente essa saudade, aquela jamais vivida. Saudade de ir para a casa de irmão e abrir a geladeira como se fosse a geladeira da minha casa. De sentar na mesa da cozinha e trocar ideia até as 4 da manhã. De ver sobrinhos nascerem ou apoiar-nos incondicionalmente.

Me casei: como não dar a oportunidade ao meu marido de conviver com meu irmão? Como não dar a minha primeira filha para ele apadrinhar? Como não dar o meu segundo filho para ele apadrinhar? Como explicar para a minha filha de 6 anos – que tem curiosidade sobre a história da nossa família, o motivo pelo qual o Tio Edu não está mais entre nós?

É simbólico, mas mesmo assim emociona. Ainda me emociona ver pai e mãe encontrando estratégias diferentes para sobreviver, até hoje.

Continuo me emocionando todos os dias.

O tempo sempre foi meu grande aliado. Já se vão alguns anos e a vida trata de nos conduzir da melhor forma, trazendo novos significados para aquela dor. Uma delas, a gratidão, é um sentimento muito presente na minha vida e presente do meu maior companheiro, meu companheiro da vida.


M
ariana Clark é psicóloga com 16 anos de experiência no mundo corporativo e nos últimos 7 anos como executiva na área de Recursos Humanos. Há um ano escolheu mudar. Escolheu ganhar a vida cuidando de vidas, com especialização e foco no universo feminino, apoiando mulheres a recontar suas próprias histórias.

Perdeu seu irmão Eduardo aos 17 anos, assassinado de forma trágica, em uma briga de rua. “Ele tinha 19 anos, e a partir dali, minha história tem sido recontada através de muita gratidão”.