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Eles também sentem

Animais também percebem a ausência de um companheiro? Eles sentem a distância como dor? Neste relato emocionante, Lea Penteado conta a história do Xico e da Akira, dois cães que mostram que a empatia não é privilégio exclusivo dos humanos

Temos falado aqui sobre o luto daqueles que perdem animais. Conhecemos algumas histórias e até filmes de animais que sentem a perda de seus donos. Mas é a primeira vez que discutimos o sentimento dos animais diante da perda de um amigo inseparável, como é o caso do Xico e da Akira, cuja sólida amizade foi interrompida pela partida do Xico.

Quem conta esta história linda da relação entre os dois cachorros, com um texto de emocionar, é a generosa dona deles, Lea Penteado. Leia a seguir:

Xico e Akira: empatia animal na hora da separação
Xico e Akira: empatia animal na hora da separação

Quando Xico chegou com um pouco mais de 3 meses, parecia um tufo de algodão dourado. O Golden Retriever era tão pequeno que cabia no degrau da escada e rapidamente começou a seguir as ordens do Pulga, um Poodle do tipo standard cor de chocolate amargo, bem maior do que ele… Xico foi crescendo e destruindo alguns canteiros de samambaia, mas rapidamente aprendeu a atender aos comandos. Para seu conforto, construí uma casa em alvenaria com sala quarto e jardim, um bom refúgio.

Xico e Pulga tornaram-se amigos. Um era jovem e brincalhão, o outro velhinho e rabugento. Um dia o Poodle partiu e o Golden ficou sozinho. Foi um luto suave, notei que estava mais quieto mas se divertia em brincadeiras pelo jardim até que, alguns meses depois, chegou Akira, uma Pastora Canadense, para lhe fazer companhia. Creio que foi amor à primeira vista. Tornaram-se inseparáveis… Apesar de suas personalidades serem totalmente diferentes, (Xico era dócil e amoroso, Akira era retraída, arredia e estava sempre à espreita) eles se completaram. Ninguém conseguia passar a mão no pelo branco da pastora, enquanto o peludo louro se atirava aos pés de qualquer um!

A primeira vez que Akira viu Xico enfrentando as ondas na praia, pirou. Corria de um lado para o outro na areia, tentada a entrar no mar. Os cães da raça Golden Retriever adoram água, o que não acontece com pastores, mas por amor ela nunca mais o deixou nadar sozinho. Um dia acordei e não os encontrei no jardim. Enlouqueci! Saí de camisola pela praia de onde pude ver os dois correndo na maior alegria. As fugas com o dia clareando passaram a ser constantes. Não havia cerca que resistisse, eles simplesmente rasgavam a tela e iam se divertir. Deixei de me incomodar: abria o portão e esperava que voltassem sujos, exaustos e, num simples comando os dois se refugiavam na “casinha”.

Assim se passaram seis anos e, de repente, percebi que Xico envelheceu… Em poucos meses ficou surdo e a catarata foi diminuindo sua visão. Akira continuava companheira, lambendo seu focinho, deitando ao seu lado. Algumas vezes ele se perdeu no jardim e ela, atenta, me levava ao local em que ele estava. Mas um dia ele apareceu com um quisto estranho na axila, levei-o ao veterinário que achou melhor extrair. Voltei pra casa com o carro vazio e dias depois o médico telefonou avisando que ele não havia resistido. Até parece que foi Akira quem atendeu ao telefone, pois a partir de então ela se tornou outra… Nunca vi uma mudança tão radical, o que me fez entender que o luto não afeta apenas os humanos, mas também os animais.

Akira e Xico sempre viveram soltos no jardim. Tinham seus lugares favoritos: embaixo de algumas árvores, na garagem, na varanda ou na “casinha”… Às vezes entravam na sala no início da noite quando eu assisto os noticiários na TV, porém com um simples aviso saíam. Acontece que a partir do dia em que Xico se foi, Akira começou a chorar de madrugada. Um misto de uivo e ganido que tentei não ouvir. Na segunda noite, exausta, às 2 da manhã, abri a porta e rapidamente ela subiu a escada e deitou no corredor do meu quarto. Nos dias seguintes, quando percebia o meu movimento de fechar a casa – são 9 portas e janelas na parte de baixo – subia as escadas e ali se instalava. Trocou o corredor pelo closet (creio que o piso de cimento queimado é mais fresco que a tábua corrida).

Assim, pouco a pouco, fui acompanhando as mudanças em sua personalidade. Antes destemida, ficou medrosa. Passou a aceitar afagos de qualquer pessoa, ficou carente. Substituiu a presença do Xico pela minha, anda atrás de mim por todos os lados… Outro dia, ao notar, certamente pelo perfume, que eu me arrumara para ir à rua fez algo inédito: sempre a deixo solta no jardim mas neste dia quando a chamei virou as costas e foi para o quarto. Estou deixando Akira viver o seu luto, se redescobrir em outras bases. Na semana passada a levei à praia e pela primeira vez a vi feliz correndo na areia e nadando. O tempo vai ensinar a ela, assim como ensinou a mim, a conviver com a ausência. Mas o meu luto é uma outra história…

Lea Penteado escolheu viver na Praia de Santo Andre, com seus animais, com quem divide sua casa. 

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