Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

“Gostar da vida é maior do que ser feliz”

De sua breve convivência com Rosa, aluna em seu curso de escrita, a jornalista Sílvia Amélia de Araújo tirou essa preciosa lição. Ela conta aqui a história por trás desse aprendizado

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Rosa foi aluna da minha oficina de escrita, em São Paulo. Médica aposentada, sorridente, enorme disposição. Soube da oficina porque seu filho, Ismael dos Anjos, havia sido meu aluno na UFMG. Na turma de Rosa eram só ela e jovens jornalistas de 20 e poucos anos. Ela tirou a diferença de letra, se deu bem com todos.

Permaneceu em mim um carinho por Rosa. Terminado o curso, continuamos nos comunicando pelo Facebook. Eu planejava encontra-la em um café quando fosse a São Paulo. Que pessoa alegre e “da prosa boa”, como diz minha mãe.

Rosa adoeceu. E, ano passado, enquanto eu estava viajando, soube de sua morte. Logo me lembrei de um texto que ela fez na oficina. A proposta era cada participante imaginar que morreria em 24 horas e escrever palavras de despedida.

Queria entregar o texto ao seu filho. Mas voltei de viajem e se passaram duas semanas. Eu estava muito sonolenta, depois descobri que estava grávida. Um dia dormi de tarde no sofá e sonhei com Rosa. Ela me disse, sorrindo, para entregar o texto a Ismael. Acordei num pulo, vasculhei meus arquivos, achei o texto, mandei para o filho enlutado.

Ele me respondeu imediatamente, e emocionado. Estava arrumando as coisas da mãe, e fazia meia hora que havia encontrado o mesmo texto impresso. Disse que ali naquele parágrafo tinha tudo o que ele precisava ouvir dela naquele momento.

É a coisa mais linda e singela seu bilhete de adeus escrito anos antes da partida, quando nem doente estava. Um texto direcionado especialmente ao filho, mas também aos amigos e irmãos. Termina assim: “Foi bom esse tempo aqui, eu gostei, tomara que vocês tenham gostado também. Fui!”.

“Gostar” da vida é diferente, maior e mais bonito do que o etéreo “ser feliz”. Você entende o que digo?

No dia 4 de março desse ano, perto do meio dia, meu filho nasceu e eu falei pra ele: “oi, meu amor, eu sou sua mãe, espero que você goste muito de viver”. Um nome que cogitei para Antônio, se fosse menina, foi Rosa.

*
Quando recebi o convite para publicar este texto no Vamos “Falar sobre o Luto?” perguntei ao Ismael, filho da Rosa, se ele autorizaria a publicação do bilhete de despedida que a mãe escreveu. Ele respondeu sim, aqui compartilho o texto na íntegra:

ADEUS
Filho, no começo vai ser difícil, mas você vai se acostumar a me ver nas lembranças. As fotos serão ainda mais importantes, e tenho certeza de que você vai ajudar seu pai a se acostumar também. Espero que isso os aproxime mais um pouco. Amiga Sá, você encontrará alguém para ajudá-la com o site e o fórum, não tema. Por favor, guarde minha coleção do JD e distribua para quem você acha que merece. Os filmes que lhe faltam, agora são seus, e os autógrafos também. Queridos irmãos e amigos, a viagem foi boa e a companhia também. Foi bom esse tempo aqui, eu gostei, tomara que vocês tenham gostado também. Fui!