Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

A arte de se despedir da vida em uma história sobre a amizade masculina

Julian (Ricardo Darín) é um ator argentino que vive em Madri com seu cão, Truman. É divorciado e está morrendo de um câncer de pulmão que se espalhou pelo corpo. Quando decide que não vale a pena continuar o tratamento ele recebe a visita de um velho amigo com quem vive momentos tocantes que nos levam a refletir sobre a coragem, o amor e a finitude

O filme Truman, do barcelonês Cesc Gay (2015), que estreou no Brasil na última semana, conta os quatro dias da visita a Julian de Tomás (Javier Cámara) que o acompanha na tarefa de encontrar um novo lar para o velho cachorro da raça Bulmastif. É a despedida da vida de um homem de meia idade, um ex-galã, como ele lembra em um momento tocante de consciência da inexorável decadência física, e contém os aspectos mais ternos, estranhos e cruelmente divertidos que caracterizam a amizade de dois homens (e um cão) diante de uma adversidade.

Truman é um filme sobre a amizade masculina e a morte. E toca em pontos importantes sobre as duas coisas. É especialmente real e corajoso quando retrata as situações prosaicas que envolvem a relação travada mas amorosa entre dois homens: diálogos curtos, piadas toscas, carinho meio envergonhado, fidelidade à toda prova. Mas também a falta de jeito de ambos em lidar com o luto antecipado.

truman

A decisão de Julian de desistir de ganhar mais tempo através de um tratamento que exigiria grandes sacrifícios nos faz refletir sobre o prolongamento da vida e as conseqüências que uma escolha sobre como morrer, seja qual for, implica sobre nós mesmos e as pessoas que nos cercam. Não é fácil para quem opta por deixar de se tratar. Não é simples para quem cuida, ama e se sente responsável pelo doente. Exige coragem, determinação e é absolutamente particular. Haverá sofrimento em qualquer alternativa. Falar e pensar a respeito pode nos ajudar a compreender e, se acontecer com a gente ou com alguém perto de nós, lidar com o tema com mais sabedoria e compaixão.

Há também o retrato de questões cotidianas que afetam a rotina de quem encara o próprio fim. Diante da perspectiva da morte, Julian não se constrange em abordar o casal de conhecidos que finge não o ver em um restaurante para evitar o encontro embaraçoso com alguém que sabem estar doente. Ele também não se intimida em trocar a visão cética que manteve por toda uma vida como ateu pelo desejo sincero de acreditar que há, sim, alguma coisa “do lado de lá”. E tem a grandeza de abrir mão do seu maior companheiro, o bonachão Truman, para garantir que fique bem depois da sua partida.

Impossível não rir, se comover ou se debulhar em lágrimas com este filme tão lindo.