Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

O tempo ameniza a dor, mas é a gente que reinventa a vida

Apesar de ser uma das idealizadoras do Vamos falar sobre o luto?, esta é a primeira vez que escrevo a minha história aqui. Compartilho com vocês um pouco do que eu entendi desde que minha vida virou de cabeça para baixo, há exatos 8 anos, naquele primeiro de Junho

unsplash: lisheng chang

1 de Junho de 2009

Não era nem 8 da manhã quando uma grande amiga me ligou perguntando em qual vôo o Leo havia embarcado na noite anterior. Ele tinha 31 anos, era um menino adorável, um jovem oceanógrafo brilhante, um filho e irmão muito amado, e mais recentemente “meu noivo” – trocamos alianças na semana anterior. Infelizmente, ele também era um dos 228 passageiros do vôo que caiu no mar indo do Rio de Janeiro para Paris e deixou para traz corações partidos e um longo caminho pelo luto para centenas de pessoas.

Eu não lembro como dirigi para casa após ter escutado a notícia, mas eu lembro claramente de toda confusão que sucedeu esse momento. Eu contei a uma amiga-irmã que dividia o apartamento comigo e, infelizmente, liguei para o pai dele e acabei sendo a primeira a lhe dar a notícia. E depois… foi como se todo o mundo tivesse vindo ao meu encontro. Parentes e amigos telefonavam e chegavam em casa trazendo amor e pequenos agrados. Me lembro e me emociono com cada gesto de empatia e cuidado, mas naquele momento também sentia que a pessoa que mais poderia me dar colo não estava ali comigo. Minha mãe morreu 364 dias antes daquela data, depois de lutar bravamente contra o câncer por 3 anos. Ela era (e ainda é) minha melhor amiga e perdê-la doeu ainda mais quando o Leo morreu também.

Muito tempo já se passou desde que tudo isso aconteceu e é muito difícil resumir uma jornada longa e não-linear em apenas algumas frases. Mas há algumas reflexões que eu gostaria de dividir com aqueles que passam por uma grande perda:

  • No começo, eu senti como se houvesse caído em um buraco escuro e desconhecido. Hoje eu sei que nada nos prepara para encarar a morte tão de perto, mas a verdade é que eu me senti sozinha e inadequada nos meus 30 e poucos anos. Com quem eu poderia conversar sobre o que estava sentindo? O luto era um tabu muito grande e eu sentia que tudo que as pessoas queriam (com as melhores das intenções) era me ver bem de novo. Mas eu sabia que eu precisaria lidar com as minhas dores antes de seguir adiante.
  • Eu tentei de tudo. Me mudei de cidade, trabalhei o máximo que pude, procurei práticas saudáveis, fiz terapia do luto. Algumas estratégias me ajudaram muito, outras nem tanto. De qualquer maneira, apesar de toda ajuda que recebi de outras pessoas, ficou claro para mim que “ficar bem de novo” dependeria de mim. Como ser médico e paciente ao mesmo tempo, sabe? Ser aquele que sofre e aquele que cuida.
  • Espontaneamente, eu passei a prestar cada vez mais atenção nos problemas e dores de outras pessoas. Eu não tenho certeza de como isso aconteceu, mas depois de um tempo eu percebi que tinha adquirido um tanto de empatia por amigos e colegas de trabalho que estavam lidando com doenças na família e/ou vivenciando o luto. À medida que fui melhorando, comecei a sentir que era hora de dar algo de volta e não só mais receber carinho e apoio.

Minha mãe e o Leo me deram muito em vida e deixaram memórias e ensinamentos que os mantêm vivos. Eles estão comigo, sempre. E um dos melhores legados – que me enche de orgulho e significado – é este projeto, o Vamos falar sobre o luto?, algo que começou como uma pergunta individual e se tornou uma realização coletiva com a energia e a parceria de 6 amigas que também tiveram suas experiências de luto. Nós lançamos este site, em 2016, como uma plataforma digital para inspirar e apoiar aqueles que perderam alguém querido e, desde então, tentamos contribuir para uma mudança cultural – buscando espaços para o tema na mídia e também trazendo o luto como parte das conversas do dia-a-dia.

 

1 de Junho de 2017

Não foi fácil, mas (ainda que pareça clichê) eu aprendi demais. Não é como se eu quisesse que outras pessoas passassem por isso, mas ter tido contato com a morte tão cedo na vida foi transformador – eu aprendi a aceitar os momentos ruins e transformar o desespero em algo novo. Sou grata a inúmeras pessoas que me ajudaram a construir novamente felicidade e paz e são companheiras na minha jornada de crescimento pessoal. E também por ter encontrado tanta coragem e resiliência dentro de mim. Entendi que o tempo ameniza a dor, mas é a gente que reinventa a vida!

 

Mariane é cofundadora do Vamos falar sobre o luto? Ela é capixaba, de família mineira, mas hoje vive no Rio de Janeiro com seu marido, enteada e cachorro.

Reinventar a vida

“Obrigada, mãe”

#forçachape