Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

Meu pai e eu, yoga e dor

Karina encontrou no yoga um parceiro para o luto e um aliado para a vida. Com a prática, aprendeu que não se deve resistir a dor, mas se render a ela e se fortalecer com isso: "temos a tendência a evitar a dor como se fosse um território que não conseguimos ultrapassar”

arquivo pessoal

MEU PAI E EU

Meu pai tinha uma personalidade expansiva e sempre foi o centro das atenções. Era aquele que falava pra uma mesa inteira, dava palestras, improvisava. Era extremamente dedicado às suas paixões: família, jingles e sinuca (foi campeão carioca algumas vezes). 

Eu cresci idolatrando essa figura forte e provocadora, tão diferente de mim.

Toda essa força tinha um paradoxo. Quando adoecia, seu mundo desabava. Sim, essa pessoa forte e alegre também se dedicava às doenças com obsessão. Nessa, tomei alguns sustos na vida. Ele se internava com frequência e não pensava duas vezes antes de chamar uma ambulância. Esse era meu pai: exagerado, intenso e extremamente frágil.

Eu vivia sobressaltada achando que alguma coisa ia acontecer com ele. E o medo virou pânico. Perder a vida do meu pai parecia ser a perda da minha vida também

Eu sempre fui bastante cética. Minha mente funcionava assim – se vejo acredito, se não vejo não acredito. Tinha um baita preconceito com mantras, monges e pregação. Por outro lado, o corpo sempre foi meu principal canal expressivo e terapêutico. Encontrei minha essência ali. 

Um dia, entrei numa aula de ashtanga vinyasa yoga, não por acaso, agora eu sei. A sala devia ter no máximo 12 praticantes e uns 40 graus. Não tinha música, nem espelho e ouvia-se somente o som da respiração ujay. Percebi que algo muito profundo acontecia ali, não sabia exatamente o que era, mas precisava descobrir. Foi assim que comecei a praticar. Sabia que era o lugar para cuidar não só do corpo, mas de questões muito profundas da minha vida. Cheguei a falar: aqui vou lidar com a perda do meu pai.

E é assim. No yoga você lida com todos os aspectos da sua vida: fraqueza, dor, força e potência. É se ver humano, frágil e ao mesmo tempo deus. Se eu pudesse resumir o que é praticar em uma frase, diria que é isso – encontrar deus todo dia dentro de você. E olha que não sou religiosa, nem um pouquinho.

YOGA E DOR 

Existem dois aspectos principais na prática que me ajudam na questão com a dor. A primeira é que no yoga o contato com a dor é diário. Na prática você aprende que não deve resistir a dor. Pelo contrário, deve se render a ela e se fortalecer com isso. A prática te desafia diariamente, te aproxima de limites e de territórios desconhecidos.

Temos a tendência a evitar a dor como se fosse um território que não conseguimos ultrapassar. É preciso ter consciência de que não somos dor, assim como não somos só euforia ou preguiça. A dor é algo que sentimos e é impermanente. E para mudar a nossa atitude perante a dor, é preciso experimentá-la. O yoga te propõe isso repetidamente.

Uma vez uma aluna disse pro seu professor que não estava frequentando as aulas porque passava por um momento difícil e ficava chorando em casa. Ele falou: vem chorar aqui, deixa o seu copo inteiro chorar através do seu suor. 

O outro aspecto é que nas práticas espirituais você entra em contato com um plano energético do qual você faz parte. Praticar é sentir-se parte inseparável de um todo. Você tem contato com aquilo que é infinito, a alma, que não está sujeita ao nascimento e à morte. Essa percepção te permite olhar para o que é finito, o corpo, com certa equanimidade. O contato com o infinito traz serenidade e aceitação pra lidar com o que é impermanente. E ainda sobre dor, existe uma grande verdade: sem dor não existe compaixão. E o que seria do mundo sem compaixão?

Recomendo yoga para aqueles que de alguma forma estão sofrendo. O sofrimento é o principal fator que nos leva a praticar. É se desligar um pouco, nem que seja por minutos, do pensamento obsessivo que uma grande tristeza traz. Recomendo também pra aumentar a energia, auto-estima, foco, ou simplesmente pra quem quer descobrir sua verdade.

Eu nunca vou me separar do meu pai. A essência dele pulsa na minha respiração a cada segundo. Escrevo este texto do 3º dia dos pais que passamos separados. Mas como o amor nada separa, seguimos juntos.

Karina Abicalil é antes de mais nada uma praticante da yoga. Designer por formação, é também apaixonada por música, arte e viagens.