Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

Vamos jantar e falar sobre a morte?

O convite pode parecer estranho, mas levar à mesa um tema universal sobre o qual falamos tão pouco é ao mesmo tempo tranquilizador e inspirador. Conversamos com o organizador do projeto aqui no Brasil, Tom Almeida, e contamos como você pode ser o anfitrião de um desses jantares e o que podemos todos aprender nesses encontros.

Olá, vamos jantar e falar sobre a morte?
Talvez este seja o convite mais estranho que você já recebeu, mas antes de declinar por achar o programa meio mórbido ou indigesto pense em como pode ser inspirador (e tranqüilizador) ter essa conversa em um ambiente acolhedor, diante de uma refeição saborosa e uma taça de vinho. Como a gente sempre diz aqui, falar é libertador. Falar sobre a morte, sobre o luto por alguém querido ou sobre a nossa própria finitude é a única forma possível de tornar essa realidade ou perspectiva menos assustadora.

A morte no jantar , iniciativa criada em 2012, já difundida em mais de 30 países (deathoverdinner.org) e trazida ao Brasil pelo consultor e coach Tom Almeida é uma forma simples e natural de literalmente colocar na mesa um tema sobre o qual as pessoas geralmente não tem estímulo ou oportunidade de abordar.

Michael Hebb, o criador do projeto nos Estados Unidos
Michael Hebb, o criador do projeto nos Estados Unidos

A ideia de realizar esses jantares, que podem ser entre familiares, amigos, colegas de trabalho e/ou outros grupos de desconhecidos, surgiu exatamente dessa falta de oportunidade. E de interlocutores. Seu criador, o arquiteto norte-americano Michael Hebb, organizador de eventos para discussões de temas importantes com pensadores, políticos ou empreendedores em torno de uma mesa foi, há alguns anos impactado por algumas estatísticas impressionantes sobre o final da vida. Nos Estados Unidos, 75% das pessoas afirmam desejar morrer em casa, mas apenas 25% delas conseguem realizar esse objetivo. Outro dado alarmante: a maior causa de falência pessoal nos EUA é a despesa médica com cuidados com doenças terminais. 43% dos pacientes naquele pais gastam mais do que tem com médicos e hospitais antes de morrer – geralmente em UTIs. Hebb descobriu que a gente não fala sobre como gostaria de morrer e que, ao contrário do que se imagina, as pessoas querem falar sobre o assunto. Aqui no Brasil, a pesquisa A Cartografia da Morte, desenvolvida pela agência Studio Ideias para o Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep) aponta que 76% do brasileiros evitam falar sobre a morte para evitar “entrar em contato com os sentimentos difíceis associados a ela”. E que 30,4% não sabem como ou com quem falar.

Falar sobre a morte também é falar sobre o luto e como nos prepararmos para ele. “O grande impacto do luto é quando vivemos muitos arrependimentos.” diz Tom Almeida, que também organiza, junto com a Dra Ana Claudia Arantes, especialista em cuidados paliativos, o Cineclube da Morte. “Se você vive uma vida sem pendências, sem nenhuma palavra que ficou por dizer, nenhuma desculpa a ser pedida, nenhum eu te amo por dizer, quando a pessoa se vai, o luto fica mais suportável. Por que então você vai lidar com a tristeza da ausência e da saudade, mas não com a culpa ou as pendências”.

E como funciona a organização do jantar? É muito simples e qualquer pessoa pode ser um anfitrião, seja para convidar as pessoas para sua casa ou em um restaurante. Basta entrar no site e fornecer as informações sobre o tipo de encontro que você deseja fazer. A página inicial do site vai perguntar qual é sua motivação para esse jantar. Exemplos: alguém próximo recebeu um diagnóstico de uma doença terminal. Ou: você perdeu alguém querido ou tem interesse filosófico sobre o tema e gostaria de se aprofundar nele. O próximo filtro é sobre quem você gostaria de reunir em torno da mesa: família, amigos, profissionais de saúde, colegas de trabalho, etc. A partir do tipo de interesse e do perfil dos convidados, o site oferece sugestões de leituras e vídeos sobre temas pertinentes ao seu objetivo. Em seguida você recebe um email na sua caixa postal com uma sugestão de modelo de convite e roteiro com perguntas a serem lançadas para o grupo que vão ajudar o anfitrião a mediar a conversa.



O convite começa mais ou menos assim: Olá tudo bem? Talvez este seja o convite mais estranho que você receba na sua vida: eu queria te convidar para jantar e falar sobre a morte. Eu prometo que não vai ser mórbido, nem triste ou pesado, muito pelo contrário “Essa é uma introdução do modelo de convite que você pode editar à vontade, é só uma sugestão. Ali também tem o espaço para você indicar o lugar do jantar, se quer que traga um prato, qual, uma bebida, etc. A recomendação é que sejam no máximo 8 pessoas para que todos tenham oportunidade de se expressar
. “ explica Tom.

Um dos jantares para falar da morte, organizado na Semana de Inspirações sobre a Vida e a Morte, em São Paulo
Um dos jantares para falar da morte, organizado na Semana de Inspirações sobre a Vida e a Morte, em São Paulo

O anfitrião recebe os convidados e conduz as perguntas mas não fala mais do que ninguém e nem deve ter a resposta certa a qualquer pergunta que for formulada. Ninguém ali é especialista em morte ou dono da verdade. São pessoas comuns trazendo à tona suas inquietações e pensamentos a respeito do assunto. “Uma pergunta que eu sempre faço é: Se você tivesse uma hora de vida, o que faria? Para quem ligaria? O que diria?”

Apesar do tema ser a morte, todas as conversas nos jantares acabam girando sobre a vida, sobre como as pessoas desejam viver mais plenamente, como podem compartilhar seus desejos, medos e escolhas com as pessoas que amam. E tem uma questão que fica sugerida a partir dessa conversa que é procurar essas pessoas e falar aquilo que pensou em dizer se só tivesse uma hora de vida. “Muitas vezes a gente pensa que é muito cedo até que é muito tarde” diz Tom.

Desde que começou a difundir os jantares, o consultor promoveu dezenas e viu os convidados saírem da experiência emocionados, inspirados e conectados, com muita vontade de replicar essas conversas com outros grupos. “Desde que conheci o projeto, aprendi que há uma forma leve e bonita de falar sobre o assunto. Vivemos como se fôssemos eternos, despreparados para morrer ou ajudar alguém a morrer”.