Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

A libertação pela imaginação

A forma poderosa com que o roqueiro australiano Nick Cave, através da força da imaginação, conseguiu se conectar espiritualmente com o filho morto serve de inspiração para atravessar os momentos mais dolorosos do luto.

Há muito pouco a se dizer para alguém que perdeu uma pessoa amada que possa ajudá-lo a superar o sofrimento. As palavras simplesmente não alcançam preencher a imensidão da experiência do luto.

O texto acima é do roqueiro australiano Nick Cave, que perdeu um filho de 15 anos há cinco anos, morto em um acidente. Em seu blog The Red Hand Files,  onde o artista responde a perguntas de seus fãs sobre diversos assuntos, o luto é um tema recorrente e sua visão sobre ele é sensível e particular. Ao responder a Matti, um remetente que lhe pede um conselho sobre o que fazer para suportar o desespero pela perda da esposa e do irmão, Cave escreveu a tocante resposta abaixo. Fez muito sentido para mim. Espero que também faça para você.

 

Meus amigos mais bem intencionados e preocupados com o meu luto me falavam coisas que não faziam sentido para mim. Eles me diziam que meu filho estava vivo em meu coração. Eu, genuinamente, não entendia aquelas palavras porque quando eu olhava dentro do meu coração, o que eu encontrava era apenas caos e desespero.

Em uma manhã caótica, no entanto, eu fiz uma coisa muito simples que talvez possa ajudá-lo, mais do que minhas palavras, a suportar as suas perdas. Eu me sentei sozinho em um lugar tranqüilo e chamei meu filho pelo nome. Fechei os olhos e imaginei que o erguia do meu coração – esse lugar atormentado onde me diziam que ele vivia, e o coloquei fora do meu corpo, do meu lado. Eu disse: “você é meu filho e agora você vive ao meu lado”. Estas palavras tiveram um efeito poderoso e este exercício simples de imaginação foi o primeiro passo para que eu finalmente trilhasse meu caminho de volta ao mundo.

 

Nick Cave e a mulher com os filhos gêmeos Earl e Arthur
Nick Cave e a mulher, Susie e os filhos gêmeos Earl e Arthur

Ao praticar este ato fui temporariamente libertado do mundo racional, esse lugar impiedoso onde eu não tinha paz, e tive acesso a um plano impossível onde eu poderia construir um novo relacionamento com a ideia espiritual do meu filho . Eu passei a sentir a presença de Arthur. Eu falava com ele. Ele falava comigo. Ele me acompanhou na minha turnê pela América e Europa e sentou-se comigo nos camarins e, mais tarde, seguiu comigo nos quartos de hotel. Eu me senti encorajado por sua presença construída, ou talvez por sua verdadeira presença, quem sabe. Não faz diferença. Eu me senti cada vez mais forte e destemido enquanto permitia que ele me acompanhasse no meu luto sem limites. Às vezes, no palco, eu olhava para a audiência e sentia uma força espiritual coletiva. Foi uma experiência poderosa que comprovava a força restaurativa dessa invenção divina que é a nossa imaginação, resgatando meu coração destroçado e o libertando da convulsão do luto.

Matti, perdão se isso não fizer sentido para você, mas talvez haja uma forma de você convocar sua mulher e seu querido irmão e libertá-los de seu desespero para que possam ajudá-lo. Permita que sejam suas companhias espirituais nesse plano impossível, que cuidem de você em sua presença imaginária e que possam guiá-lo até que as coisas melhorem.

Por que elas melhoram com o tempo, acredite.

Com amor

Nick