Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

Uma morte, diferentes lutos

Embora sofrendo a perda da mesma pessoa, as reações de cada familiar são diferentes entre si, o que pode gerar situações de muita angústia nas famílias. É preciso não julgar e entender que essa diversidade é normal

Imagem: Siyan Ren

 

Na maioria das culturas o choro é uma das formas mais comuns de expressão da dor e do sofrimento. Mas, e quem não chora? Significa que não está sofrendo? O senso comum defende a ideia de que quem chora está sentindo a dor da perda com intensidade, logo parece que quem não age desta forma não está sentindo a tristeza. Esta afirmação, além de não ser verdadeira, gera muita culpa naqueles que não conseguem expor seu pesar e sofrimento pela morte de uma pessoa querida de uma forma visível

Na mesma família, reações diferentes são comuns e normais

Por razões particulares, ligadas muitas vezes à história de vida e a traços de personalidade, as pessoas têm jeitos diferentes de expor seus sentimentos. Algumas pessoas demonstram alegria, tristeza, preocupação de forma muito clara. Outras são discretas nessas manifestações mas mesmo assim conseguem dar vazão a elas. Há aquelas que têm verdadeira dificuldade em demonstrar o que realmente estão sentindo. Isto não quer dizer, absolutamente que não estejam sentindo.

A demonstração da dor não dimensiona necessariamente o tamanho dela. Mas é muito comum que no luto familiar, surjam comentários:
“será que ele(a) não está sentindo nada?”
“parece que nem sentiu a morte da mamãe porque nunca o vi chorando”
“não quis ir ao cemitério, não deve ter consideração por quem perdeu”

Para atravessar o luto é importante que cada pessoa encontre sua forma de dar vazão à dor da perda que não necessariamente será semelhante à do outro familiar. Se para alguns, ir ao cemitério é uma forma de encontrar algum alívio e viver a saudade de quem partiu, para outros, esta visita pode tornar-se altamente estressante, tensa e de pouco alívio. O núcleo familiar deve ter espaço para que cada membro demonstre sua dor do jeito que pode, do jeito que lhe pareça melhor.

O que faz as pessoas se expressarem de forma diversa

A psicologia tem se ocupado do estudo das diferenças individuais em vários campos, incluindo o luto. Sabe-se que mesmo gêmeos idênticos têm personalidades completamente diferentes, porque cada ser humano é único em seu jeito de ser, de pensar, de agir e de sentir. Assim também há muitos fatores que determinam a forma como cada pessoa reagirá à perda de alguém amado, como a história de vida, a infância, perdas anteriores, sua capacidade de vincular-se, a relação que tinha com quem perdeu, a idade, o sexo, a cultura, dentre outras variáveis. Sendo assim, uma mesma perda produz diferentes processos de luto numa família.

A forma como as crianças manifestam seu pesar é diferente da forma como um idoso o faz. A época da vida em que perdemos uma pessoa pode ser um fator importante. Os adolescentes, por exemplo, vivem uma fase da vida em que a onipotência é uma característica marcante- “posso viver perigosamente porque nada vai acontecer comigo”- e o processo de luto deles pode ser altamente influenciado por esta postura, sendo comum que eles tenham atitudes de negação diante da dor da perda de alguém querido.

Em geral, homens e mulheres têm formas diferentes de ser, especialmente porque nossa cultura impõe valores rígidos ao homem quanto à expressão de seus afetos. O famoso “homem não chora” é ouvido por eles desde a infância e pode colaborar para um processo doloroso de contenção das emoções. Assim, as mulheres parecem ter mais “autorização social” para manifestarem suas emoções, ao passo que aos homem cabe o papel de restaurador da família e eles acham que tem que voltar rapidamente para vida como se nada tivesse acontecido. Esses padrões pregados pela cultura podem ser fortes complicadores para aqueles que não se ajustam ao esperado. É importante que a família compreenda as diferentes manifestações do luto para que isto não produza mais sofrimento. Somos únicos porque nossa história é única e por isso temos um jeito único de dizer o que sentimos.

Lélia de Cássia Faleiros Oliveira – Psicóloga Clínica, Mestre e Doutoranda pela USP, com curso de atualização no LEM – USP (Lab. de Estudos sobre a Morte). Trabalha com enlutados e desenvolve projetos de apoio ao luto em instituições.