Inspiração - Belas Histórias, Como eu me sinto, Reflexões
A vida é pra valer
2017.
Este foi o ano em que meu pai partiu e eu, então com 40 anos, me senti como se estivesse em um enorme fosso.
“Marvin agora é só você, eu fiz o meu melhor e o seu destino eu sei de cor“. Lembro do meu pai me ensinando sobre músicas e falando da regravação dessa canção pelos Titãs em 84 da original “Patches”, escrita e gravada originalmente pela banda Chairmen of the Board em 1970. Lembro do meu pai falando do sentido dessa música quando o pai dele partiu, aos 60 e poucos anos.
A morte do meu pai foi gradual, vivida ali junto no Hospital, na luta contra um câncer de boca. E é louco dizer, mas o dia em que ele se foi, dia 23 de novembro, Dia de Ação de Graças, senti um misto de dor e alegria. O sofrimento dele era tão grande e já estava tão distante pelas doses de morfina, que intimamente agradeci ao pai do céu por tê-lo tirado dessa.
Descobri muitas coisas nesse fosso.
Descobri que a gente bate no fundo e consegue se reerguer, mas não sozinho. Meu marido, filhos e amigos-anjos especiais me ajudaram nessa jornada, assim como leituras e filmes. E assim como a escrita, o choro dentro do carro e o próprio tempo.
Descobri também que, diferente do que estudei na faculdade, o luto não tem duração de um ano – tempo de correr todas as datas festivas e fechar um ciclo. O luto tem efeito de ondas. Sim, com o tempo a dor dá lugar a saudade, mas toda vez que nos sentimos numa situação mais vulnerável, a gente volta a despencar e a sentir a dor forte outra vez.
Aquele pai que nos habita está sempre lá, nas músicas que tocam no rádio, na visita a um museu, na voz em off frente a um dilema no trabalho.
Está lá na alma e até na face! Por um período também me afastei dos espelhos, não só para não ver minha própria tristeza, mas para tentar não vê-lo tanto dentro de mim, pois tenho o mesmo nariz e olhos, sou sua cópia.
Descobri que a gente também recebe um monte de dicas do que fazer e não fazer. Disseram para limpar as roupas em uma semana e para doar os CD´s e livros.
E eu não obedeci. Não deixei ninguém mexer em nada e, durante um ano, quando ia na casa dele, gostava de abrir o seu armário e abraçar aquele emaranhado de camisas e sentir o seu perfume. E até hoje não abri o seu computador ou li os seus escritos. E até hoje quando bate a saudade, vejo suas últimas mensagens no Whatsapp.
Sim, meu pai era um economista poeta, um amante da vida, uma pessoa que lutou tão arduamente contra o câncer, que eu tive muita raiva de todo o processo. Ele foi privado de comer, depois de falar e depois, com os medicamentos, passou a nem conseguir mais escrever na “lousa mágica” que compramos para que ele pudesse se comunicar. Logo ele, um dos grandes escritores e inspiradores que tive na vida.
Perdi meu pai, meu alicerce, aquele que estava lá sempre torcendo por mim. Aquele a quem devo pertencer a três continentes, gostar do mar, das letras, das pessoas. Aquele que me lançou para um mochilão internacional e acreditou que eu ia ‘ser alguém’ com o curso que escolhi para fazer de faculdade e que me incentivou quando eu quis mudar de universidade, fazer também Direito, experimentar outras coisas. Aquele que tinha um humor oscilante e me punha na linha, mas também me incentivava a desbravar esse mundo.
Amo o número 7 e 2017 foi um ano especial. Apesar de todo o sofrimento, foi o ano em que pude estar ao lado dele dia e noite, madrugadas e madrugadas. Pude agradecer e relembrar fatos engraçados.
Foi um réveillon vazio em que eu sofri pela virada, pois me afastaria da presença dele.
Pois é Marvin, a vida é pra valer! Ela não precisa ser tão dura e sofrida. Aprecie as pequenas coisas, valorize as pessoas e os encontros e seja grato.
O destino nós sabemos, mas a caminhada nós podemos escrever.
Com amor, Rita Cunha