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Ainda assim farei alegria

O livro de Valter Hugo Mãe, “Educação da tristeza”, é um mergulho poético no luto e uma homenagem à vida

“Queremos inventar uma festa. Uma dessas festas cuja razão é triste, mas porque não podemos ter pretextos de tristeza quando se trata de amar. Amar tem de ser por alegria. Ninguém ama para sentir tristeza.

(…) é fundamental a bravura de alegrar, exactamente porque quem nos falta não pode ser ferido de tristeza. A saudade tem que vir à festa e ser presença que celebra.”
(Valter Hugo Mãe, “Educação da Tristeza”)

No dia seguinte à morte da melhor amiga, o escritor português Valter Hugo Mãe chegou em casa depois do amanhecer e foi flagrado pela mãe, idosa, que queria saber o que havia ocorrido, porque chegava àquela hora. Para poupá-la de mais uma dor, ela que já vivia com o coração partido com a doença terminal de um neto, inventou uma desculpa qualquer. Disse que perdera o sono e fora resolver coisas muito cedo. A mãe acreditou. Ele suspirou aliviado e entendeu, nesse momento, que era capaz de educar sua tristeza.

A “Educação da Tristeza”, título de seu livro mais recente, não trata de sufocar, esconder ou engolir a dor. O autor parte do choque da perda da amiga Isabel Lhano, e do jovem sobrinho Eduardo Lemos, que inspirou seu personagem em “O Filho de Mil Homens”, para fazer com que “nossas pessoas eternas”, como chama seus mortos queridos, não se reduzam à tristeza. “A morte não lhes pode fazer tão grande injustiça.” “Assim”, prossegue, “farei alegria. Ainda que use a tristeza, farei a mais limpa alegria”.

É sobre a coragem de se alegrar diante do absurdo, usufruir das memórias do melhor que aconteceu e de buscar entender o sentido da impermanência que o autor discorre nesta espécie de diário íntimo de luto. A beleza da sua narrativa está na poesia das coisas miúdas, na forma com que revela a relação com a mãe e com as estações do ano, no mistério das perguntas sem resposta. É um mergulho poético na melancolia da finitude, mas sobretudo uma homenagem à vida. “Porque ainda há mais tempo para contar acerca de tudo o quanto fizemos, fazemos, amamos e continuamos a amar.”

O livro foi publicado em português original, com lindas ilustrações do autor e com páginas coloridas. O capítulo sobre Isabel, que era ruiva, é impresso em vermelho.

(“Educação da Tristeza”, Biblioteca Azul, 2025)