Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

O que você precisa saber para ajudar (e não afastar) um enlutado nas festas de fim de ano

Convidamos amigos que conhecem muito sobre luto (porque estudam o tema ou por experiência própria) para nos dar dicas sobre como agir de forma empática e acolhedora quando estivermos, nesta época tão emotiva, com alguém que perdeu alguém.

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A temporada de Natal e Ano Novo é difícil, a gente sabe bem.

E por isso lemos muitos e muitos manuais de sobrevivência para as tradicionais Festas (este ano já reduzidas e entristecidas devido à pandemia) e fizemos esta pergunta diretamente a quem entende o assunto:

 “Como passar melhor por essas datas tão simbólicas, e muitas vezes tão doídas?”

As respostas abaixo são uma bússola muito precisa e esclarecedora.

 

Rebecca Soffer –  Co-fundadora  e CEO da plataforma Modern Loss (aclamada pelo New York Times como “redefinidora do luto”) e co-autora do livro de mesmo nome

Aqui estão algumas ideias:

As Festas podem ser um grande gatilho para as pessoas que vivem um luto. É um período em que temos lembranças muito vívidas de com quem celebramos nos anos anteriores e de quem agora estará ausente para o resto de nossas vidas. É, portanto o momento perfeito para trazê-los para perto e conversarmos sobre essas memórias. Geralmente, entretanto, evitamos tocar no assunto porque não queremos “lembrar” as pessoas de sua dor. Confie em mim; você não vai lembrá-los de nada que eles ainda não saibam. Não tenha medo de incomodar ao mencionar a pessoa que partiu. Pergunte quais eram suas tradições de feriado favoritas, peça para compartilhar histórias e passagens que os fazem rir. Pergunte-lhes se pode ser reconfortante continuar essas tradições de uma maneira diferente neste ano, com você ou com outras pessoas. Se não quiserem falar sobre essas coisas, eles lhe dirão isso. Mas faça esse convite para compartilhar, porque a pior coisa que se pode fazer é não falar nada.

 

Tom Almeida – Fundador do movimento inFINITO e idealizador do Festival inFINITO Sobre Viver e Morrer, Cineclube da Morte, A Morte no Jantar

Não me sinto obrigado a nada e me dou autorização para sentir todos os sentimentos que possam surgir nesta época: saudade, tristeza, alegria, raiva. Posso celebrar ou deixar a data passar em branco. Quero poder conversar com a minha família para decidir em conjunto o que irá trazer mais conforto na data. Podem manter as tradições como elas sempre foram, ou então dar início a uma nova forma de celebrar a data.

Me dê espaço para que eu fale sobre o meu ente querido. Crie um momento nas celebrações para que as memórias possam ser compartilhadas e honradas.

 

Juliana Dantas – Idealizadora do Finitude Podcast (que em 2020 recebeu um prêmio Herzog)

– Não cobre e nem tente desviar o enlutado do que ele estiver sentindo. Se o choro vier, esteja preparado. Não cresça nem tente amenizar a situação. As coisas são o que são. Esteja ali, presente. Acolha. Frases feitas são os piores presentes nesta hora. “Foi melhor assim”/ “Deus sabe o que faz” / “Mas ela já estava bem velhinha, né?” / “Eu sei o que você está sentindo, também já perdi um pai”. Ou “mas você tem filhos lindos” / “mas você ainda tem um emprego”. Mas, mas, mas. Deixe que as coisas sejam como são.

– 2020 deu rasteira em todo mundo. Pra cada um num grau, é claro. E é difícil nutrir esperanças, fazer os tradicionais planos na virada. Mas, neste ano, entrevistei a psicóloga Mariana Sarkis, especializada em comunicação de más notícias. E ela trouxe uma frase que eu acho perfeita e pode se aplicar a este nosso momento: “Trabalhar esperanças alcançáveis e acolher esperanças inatingíveis”

 

Mariane Maciel –  Co-fundadora Vamos Falar Sobre o Luto?

1. Zere suas expectativas – ou seja, não espere nada de mim. Nem que eu aceite o seu convite para uma festa, nem que eu recuse (e por isso me convide, mas sem insistir muito). Se eu for, nem que eu seja a mais animada nem a mais caída. Que fale ou não fale, coma ou não coma, sorria ou chore. Simplesmente, não espere nada.

2. Não me observe demais – eu sei que a gente sempre diz que o enlutado precisa de cuidado e carinho, mas, neste mês conhecido como complicado, é melhor suspender um pouco o olhar para não piorar a situação. Eu sei que você espera que seja difícil e que eu fique pior do que eu estava com a chegada das festas, e provavelmente é isso mesmo. Mas observar cada movimento meu não ajuda em nada. Sinto apenas uma pressão para parecer menos bosta do que estou – e para que acrescentar esse desconforto? Então me ligue, mas não insista, interaja, mas não pressione, me olhe de canto de olho, mas não me encare a festa toda.

Entendido?

 

Cynthia Almeida – Co-fundadora Vamos Falar Sobre o Luto?

Eu não vivo sozinha. Ando com o meu luto. Como naquele poema do Carlos Drummond de Andrade que diz que anda tombado meio à esquerda porque carrega seus mortos no coração, eu ando com meu filho para onde for. E isso não é triste ou trágico. Não me impede de sorrir e ser feliz. Posso ser uma boa companhia, mas isso não quer dizer que o deixei para trás. Gostaria que todos o reconhecessem em mim. Quando estivermos juntos para celebrar, saibam que ele está em mim. Em festas mais íntimas e emotivas como o Natal ou o Ano Novo, fica mais fácil ainda: gosto que ele seja reconhecido e lembrado por todos que o amam. Peço que falem seu nome, que relembrem suas histórias, que riam seu riso. Ou chorem de saudade. Que me abracem mais forte para que caibamos os dois, eu e ele, nesse abraço.

 

Fernanda Figueiredo – Vamos Falar Sobre o Luto?

Se pudesse dizer a cada um que tentou me ajudar quando mais precisei de afeto eu diria: me abrace, não fale! Me olhe nos olhos e deixe que seu coração fale comigo.
Não tente me distrair fugindo do tema. Conte uma história bonita que viveu com meu pai, pois você trará ele de volta nestes segundos de lembrança e um sorriso se abrirá em meus lábios.
Se eu não atender o telefone deixe um recado de que estará por perto quando eu precisar.
E se eu não retornar mande um coração porque continuo não querendo falar, mas ver seu coração será o abraço que talvez precise.
O primeiro Natal é ruim, triste mesmo e o que queremos é poder lembrar e chorar, lembrar e rir, lembrar e sentir saudades, lembrar apenas. Será a ausência mais presente da noite. Vamos então acolher este vazio sem medo de ter que lidar com as emoções que preencherão o ambiente. Espere calmamente que a saudade coordene o tom da noite. Quando nos colocamos como expectadores nossa intuição consegue dizer como ajudar.

 

Amanda Thomaz – Co-fundadora Vamos Falar Sobre o Luto?

NÃO ME DEIXE, MAS ME DEIXE.

Me convide, mas não me espere. Converse comigo, mas me dê espaço. Me faça rir, mas me deixa chorar. Me acolha, mas permita que se eu quiser, eu me esconda.

 

Gisela Adissi – Co-fundadora Vamos Falar Sobre o Luto?

Não é fácil levar a dor pra comemoração de Natal. Nem pra festa de ano novo. Dá uma ansiedade, a gente projeta sobre o que as pessoas vão dizer, o que vão pensar ou como vão reagir diante do meu pesar. Confesso que cheguei a pensar: “quando eu entrar vai ficar todo mundo olhando”; “não sei se vou conseguir segurar o choro no brinde”; “será que meu amigo secreto vai falar do meu luto para me descrever?”.

Foi importante receber uma espécie de “autorização” dos que estavam em volta, tanto para celebrar e ficar feliz quanto para dar umas choradinhas no meio da festa. E foi bom ter gente me abraçando e chorando junto.

Minha família (de coração) tem uma tradição de Natal, na entrega do presente do amigo secreto cada um conta como foi o seu ano fazendo uma retrospectiva. Ano passado vivi um luto difícil que me deixou sem chão, estava apreensiva com esse momento pensando principalmente nas crianças (meus filhos), em como passar uma mensagem de esperança. Eles foram sorteados antes. Ouvir a história na fala deles e perceber como processaram nossas perdas foi tão bonito! Falaram das coisas boas que tinham acontecido e das tristezas, falaram de raiva e de gratidão, choraram e riram. Cada um do seu jeitinho.

Choramos todos juntos, e ninguém tentou tirar a nossa dor, ela foi convidada a participar e ficou ali na festa, sentada no sofá bem do lado do amor.

 

Luciana Rocha – suicidologista

1. Não force o enlutado a participar de festas e comemorações de fim de ano. É bem provável que ele não se sinta no clima. Respeite sua vontade.

2. Nem tudo que costumava ser bom para o enlutado continuará sendo. Procure compreender que ele está passando, provavelmente, pela maior e mais impactante mudança na sua vida. E isso afetará quem ele é e quem ele irá se tornar. Respeite esse processo.

3. Caso o enlutado não queira participar de nenhuma celebração de fim de ano, não tem problema. Ele pode optar por ter um dia comum sim! Pergunte a ele se ele gostaria de companhia…

4. O primeiro ano sem a pessoa que partiu é sempre o mais difícil. As primeiras datas comemorativas vêm cheias de muitas recordações e saudade. É comum o enlutado se sentir sem lugar e sozinho. Se possível, esteja presente nessas datas, mas não se preocupe com o que vai fazer ou dizer. A presença de um amigo fala por si só.

5. Diga ao enlutado que é absolutamente compreensível ele se sentir triste nessa época do ano. Mas lembre a ele que ele também pode rir se tiver vontade. Luto não é só tristeza.

6. Pergunte ao enlutado se ele gostaria de prestar alguma homenagem à pessoa que partiu. Esse momento pode ser reconfortante, além de ajudá-lo em seu processo de luto.

7. Passar por essa data de uma forma diferente do que costumava passar pode ajudar. Lugares diferentes e pessoas diferentes podem ser uma boa opção.

8. Se o enlutado quiser falar sobre a pessoa que partiu, escute, ouça, converse…. Falem sobre ela e expressem seus sentimentos. Não pensem que falar sobre a pessoa que partiu irá deixá-lo mais triste. Diferentemente do que muitos pensam, o enlutado adora falar sobre seus mortos.

 

Rafael Stein – autor do cartasparamaria.com.br no qual escreve cartas e bilhetes para que seus filhos leiam no futuro

Natal e Ano Novo são datas para ficarmos juntos. Em um ano de pandemia, tendo ainda que se isolar, estes momentos se tornam desafiadores, ainda mais para quem perdeu alguém.

E quando estas datas são nossa primeira vez sem essa pessoa? Memórias, saudades e emoções vêm à tona.

Emoções. É preciso respeitar e ser fiel a essas emoções, mas…

Para mim, em especial, foi muito difícil me ver, em família, sozinho com meus filhos, pois ela não estava comigo. Existia um silêncio, ninguém me perguntou como queria comemorar esta data, por vergonha, por não saberem como lidar. Na verdade, não sabemos como lidar, não conversamos.

Abra espaço para esta conversa. Crie este espaço, seja este espaço.