Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

A Julieta de Almodóvar

No seu último filme, Pedro Almodóvar nos emociona com uma história de um luto complicado. O filme é baseado em três contos do livro "Fugitiva", da escritora canadense Alice Munro, vencedora do Nobel de literatura em 2013.

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Há os que amam Almodóvar, e aqueles que odeiam o diretor e seus filmes. Eu faço parte do primeiro grupo, das fãs de carteirinha, e sempre que um longa novo do espanhol entra em cartaz, corro para o cinema. Fui ver “Julieta”, lançado no Brasil no meio do ano, sem ler sobre a trama mas esperando novas reflexões – o que sempre me causam seus filmes. Demorei meses para escrever esse post: talvez porque tenha precisado de algum tempo para processá-lo; talvez porque tenha pensado algumas vezes se realmente essa era uma boa recomendação para quem vive o luto nesse momento. Mas resolvi arriscar essa dica, correndo o risco de não ser acertada, mas com a sensação de que aqueles que já passaram por uma grande perda vão se enxergar na tela de estética forte do mestre Almodóvar, ainda que tenham feito escolhas diametralmente diferentes da protagonista.

Julieta é vivida por duas atrizes. Quando jovem, é a atriz Adriana Ugarte que dá brilho a uma jovem radiante, impulsiva, cheia de vida. Na segunda parte, Emma Suárez faz um belo trabalho ao interpretar uma outra Julieta, mais madura, silenciosa e muito triste. A dor é trazida por uma perda traumática seguida de uma outra perda tão devastadora quanto. Sem spoilers, nos fala do luto de Julieta após perder o marido em um acidente e, anos depois, após o desaparecimento da filha por escolha própria. Uma tragédia sem rodeios ou ironias, densa, um filme que vai perdendo as cores à medida que a personagem perde sua energia pra vida.

Não sou especialista em cinema e várias críticas foram escritas sobre o filme. Basta dar uma busca no Google para perceber que muitos experts consideraram o filme mediano, um Almodóvar menor (ainda que alguns dêem cinco estrelas ao filme, como esse review do The Guardian). Como nosso assunto é luto, e não cinema, resolvi separar cinco razões pelas quais eu indico esse filme de um ponto de vista bem particular:

  1. É bem triste, mas você certamente vai se identificar com algumas situações. Do ‘apagamento’ da protagonista diante da dor ao quarto preservado da filha desaparecida. Do impacto que um reencontro casual pode causar ao papel da memória na construção de uma nova vida. Detalhes cheios de significados, principalmente para quem “já esteve lá”.
  2. Há vários tipos de luto e várias formas de vivê-lo. Não é apenas a protagonista que vive diversas separações. Quando conhece o marido, ele também vive um luto antecipatório. E sua filha, a antagonista, tem sua vida transformada pela perda do pai e, de certa maneira, de uma mãe que deixa de existir.
  3. É um filme extremamente feminino, como é bem característico da obra do diretor. É sobre uma viúva e uma mãe. É sobre todas as mulheres que cabem em uma mesma mulher. E também sobre uma filha, que ao se desencontrar com a mãe no luto, resolve seguir um outro caminho. É sobre a separação dessas mulheres e também o reencontro de sentimentos, culpas e pesares. Como já falamos em alguns momentos nesse site, homens e mulheres parecem viver e expressar o luto de formas distintas. “Julieta” e Truman” são dois dramas de gêneros distintos, duas formas de narrar separações e perdas, dois jeitos de reescrever a vida.
  4. Ninguém apaga o passado. Ainda que tenhamos à nossa disposição formas diferentes de seguir adiante, o que vivemos e as pessoas que estiveram em nossa vida estarão para sempre no nosso presente e futuro. A presença da ausência é o personagem que contracena com Julieta em boa parte do filme. A filha desaparecida, o marido falecido, a mãe com Alzheimer… todos estão em cena.
  5. Nos faz refletir sobre a importância da rede de apoio. Ainda que precária no filme, são as poucas relações verdadeiras que ajudam os personagens em seus processos. E o que falta ali também é motivo de reflexão. Me vi lamentando os desencontros que tornaram as dores ainda mais pesadas e impeditivas na reinvenção da vida.

Veja o trailer abaixo e, se for assinante NET, sei que ele está disponível para locação no NOW. Bom filme!