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“O luto é um sofrimento que espera sua conclusão”

Em um diálogo interessante com a obra de Sigmund Freud, o filósofo André Comte-Sponville relembra a diferença entre viver o luto e estar melancólico

Imagem: Amy Treasure / Unsplash

“Estar de luto é estar sofrendo”. Este é o primeiro lembrete do filósofo francês André Comte-Sponville em seu livro Bom Dia, Angústia!. Para quem vivencia a perda a constatação é óbvia. Mas com a sutileza dos pensadores ele chama atenção para um aspecto interessante da dor, relacionado com a ideia de pausa ou interrupção: em francês, estar sofrendo (être en souffrance) também significa estar “em suspenso” ou “à espera de solução”. Mas afinal, que solução pode existir para apaziguar a perda de um ente querido?

O escritor não dá respostas definitivas mas nos guia por seu pensamento (como um bom filósofo), e organicamente aponta caminhos interessantes para pensar este estado da vida e da alma que encontra, em algum momento, a todos nós. “O luto é um sofrimento que espera sua conclusão”, ele lembra. E existe grande sabedoria neste entendimento.

Sponville diz que o luto é aceitação (e um processo de aceitação longo e doloroso pois não sabemos – e não queremos – renunciar a nada). Não é da natureza dos ser humano estar “preparado” para a perda, para a separação. Por isso mesmo que o luto, literalmente, da trabalho para a alma, para a mente, para o coração. E nesta inevitável “aceitação” da realidade começa o processo de apaziguar a dor: “o trabalho do luto, como diz Freud, é esse processo psíquico pelo qual a realidade prevalece, e cumpre que ela prevaleça ensinando-nos a viver apesar de tudo, a usufruir apesar de tudo, a amar apesar de tudo”. E é isso que distingue o luto da melancolia, sentimento que pode prolongar o estado de sofrimento (ou seja, estar “em suspenso”) por uma vida toda.

Quando diz que o melancólico é aquele que não para de sofrer, Sponville não quer minimizar a dor de quem vive a perda, como se fosse possível “desligar um botão imaginário da dor” de um dia para o outro; o que ele quer dizer é que este processo de ressignificação da vida após a perda precisa ser feito para que tudo não vire uma grande despedida de si mesmo, do que nos rodeia, da própria vida, afinal, que “vai junto” com a do ente querido que partiu. A diferença é sutil e capciosa mas o olhar é enriquecedor. Um chamado para abraçar sua dor, falar sobre o luto, para não se tornar para sempre melancólico.

“O luto (a aceitação da morte) pende para o lado da vida, quando a melancolia nos encerra na mesma morte que ela recusa”, arremata.

A resposta para a pergunta lá do início (que solução pode existir para apaziguar a perda de um ente querido?) passa por um compreensão natural a que o autor chega, junto com quem lê, no final do capítulo. Aqui fica a nossa recomendação de mais um bom livro, sem spoilers.

Boa leitura!

 

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