Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

Lágrimas que brilham

Como manifestar empatia com a dor do outro sem ter de apelar para palavras enferrujadas como “meus pêsames”? Esse é um desafio de todos nós

Imagem: alia wilhelm/unsplash

Certas tristezas costumam sair por aí disfarçadas.

Certas tristezas se vestem de dourado.

“Quanto mais triste estou, mais brilho eu ponho em cima de mim”, me disse uma vez uma colega de trabalho ao aparecer numa reunião com um solar vestido de paetês. Eu tinha um idêntico no meu armário (o havia comprado semanas antes para ir a um casamento) e quando disse isso a ela recebi como resposta algo na linha “gente-é-feita-para-brilhar”. Ela fez a piada e riu de si mesma –ruidosamente. Nós (os colegas) a seguimos num coro de risadas e a reunião continuou. Na saída pegamos juntas o mesmo corredor e eu perguntei baixinho: “Você está bem? Está precisando de alguma coisa?”. Ela me convidou para tomar um café e me contou que estava se separando e sofrendo muito. Tinha escolhido viver o luto pelo fim do casamento vestindo ouro e colocando uma prótese de silicone nos seios. Meses depois chegou ao trabalho abraçada por um casaco de pele e um volumoso colar dourado. Imaginei que aquele deveria ser um dia especialmente difícil para ela e a convidei para um novo café. Ela me agradeceu por eu me dispor a ouvi-la. Falar sobre a tristeza era tão necessário quanto fantasia-la com brilhos.

Conto essa história com o intuito de colocar um enorme holofote sobre o fato de que as pessoas muitas vezes não sabem lidar com a tristeza – nem a sua própria, nem a dos outros. O bom humor da minha colega facilitou que eu conseguisse me aproximar dela (escrevo isso e penso que talvez sua estratégia de colocar a dor para brilhar tenha lá seus méritos) mas sabemos que na maior parte das vezes o sofrimento do outro não consegue se fazer convidativo (e nem deveria, não é mesmo?).

Quando um colega em situação de luto volta ao trabalho, a maior parte de nós não sabe como se comportar ou o que dizer. Percebemos sua fragilidade e evitamos chegar perto dela com medo de que alguma palavra ou movimento nosso ponha o dedo na ferida recém-aberta. Com vergonha de nossa alegria, mantemo-nos à distância. E assim condenamos a tristeza do outro à solidão.

Anos atrás, cometi uma indelicadeza com um chefe que acabara de perder o pai e voltava ao trabalho depois de alguns dias de ausência. Escolho de propósito a palavra indelicadeza porque acho que seu oposto – a delicadeza – deveria dar o tom de nossa aproximação de quem está sofrendo.

Quando meu chefe entrou na sala, tive um mini pânico. Que cara fazer? O que falar? Falar? Devo falar? Falei. “Nossa, como você voltou bronzeado” (!). Minha fala narrava o que eu via diante de mim (um homem queimado de sol) mas não se atrevia a dizer que, sim, dava para perceber a enorme tristeza em seus olhos. “O enterro do meu pai foi ao meio-dia e o sol estava muito forte”, ele me respondeu. Balbuciei um inaudível “meus sentimentos” e respirei aliviada quando o telefone tocou. Enquanto atendia a ligação, uma pessoa se aproximou da mesa do chefe e deixou um bombom e um post-it. Espiei. O papelzinho dizia “Para doces memórias”. Anotei mentalmente essa boa ideia, tão delicada. E decidi iniciar uma coleção de boas práticas para situações de luto.

Me lembro que, na morte de minha avó, minha mãe recebeu uma carta de uma vizinha que manifestava seu pesar contando lembranças amorosas e divertidas que ela guardava da convivência com a nossa família (e, especialmente, com a minha avó, claro). Receber histórias e fotografias desconhecidas da pessoa que partiu é uma forma de continuar aprendendo sobre ela mesmo depois da sua morte. Não consigo pensar em melhor maneira de dizer “meus sentimentos” do que presentear a família do falecido com memórias sobre ele.

Aqui no VFSOL, criamos uma coleção de cartões para situações de luto. Na ausência de palavras, entrega-los com um abraço preenche de amor o silêncio (dá uma espiada na nossa lojinha!). Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras… Pois eles trazem ilustrações bem mais delicadas do que o tradicional “meus pêsames” (quando vamos inventar uma palavra melhor do que essa, minha gente?!).

Precisamos inventar um novo vocabulário e uma nova prática para o luto. Peço ajuda a quem chegou até aqui para aumentar minha coleção de manifestações delicadas de empatia. Conta sua história nos comentários? Está dada a largada depois deste ponto final aqui, ó:.

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