Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

Vamos educar para a morte?

Uma médica norte-americana decide quebrar o tabu e propõe um programa de Educação para a Morte nas escolas para alunos do ensino médio

Não é possivel que falar sobre a morte em salas de aula seja um tabu ainda maior do que ensinar sobre sexo nas escolas.

Esse pensamento levou a médica especialista em cuidados intensivos e paliativos Jessica Nutik Zitter, que atua em um hospital em Oakland, Califórnia, Estados Unidos, a criar e dar a primeira aula de um inovador programa de Educação para a Morte para uma turma adolescentes do ensino médio na escola privada (e progressista) em que sua filha estuda na mesma cidade.

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A comparação que a Dra Zitter, autora do livro Extreme Measures: Finding a Better Path to the End of Life (Medidas extremas, encontrando um caminho melhor para o fim da vida), faz com a Educação Sexual faz sentido. Depois de muita polêmica e constrangimento em torno do tema no século passado, quase ninguém mais duvida que seja muito importante dar aulas de orientação sexual para os jovens nas escolas. E sobre a morte? A primeira reação contra a ideia é de que se trata de um “assunto mórbido”. A segunda é questionar qual seria de fato a importância de falar sobre algo que é inexorável a todo ser humano e com o qual vamos, afinal, nos deparar no momento certo.

A primeira resistência não faz sentido: falar da morte não é mórbido ou depressivo. Tampouco atrai a morte e ou faz alguém desejá-la. Pode-se comparar essa postura com a resistência a falar com adolescentes sobre o sexo nas escolas “para não dar ideias”. Bobagem: quanto mais falamos sobre o fato de que vamos morrer algum dia, mais compreensão teremos a respeito da nossa própria finitude e saberemos conviver naturalmente com esse fato. Para o segundo questionamento, sobre “o que se ganha ao falar e entender melhor a morte”, a médica tem respostas contundentes no seu dia a dia com pacientes terminais. Em um artigo para o jornal americano The New York Times, a Dra Zitter faz um depoimento franco: “Eu gosto muito de usar tecnologia e procedimentos de ponta para salvar a vida de meus pacientes nas unidades de terapia intensiva”, escreve. “Mas eu também sou testemunha do profundo sofrimento que esses mesmos procedimentos e técnicas podem infringir aos pacientes que estão próximos do fim. Muitos deles morrem em condições ‘supermedicalizadas’, onde os cuidados críticos são usados como norma, mesmo quando já não poderão ajudar quem está à morte. Muitos dos meus pacientes nas UTI passam seus últimos dias ligados a máquinas de respiração, tubos alimentares. ”

Segundo os especialistas em cuidados paliativos a maioria dos pacientes,se pudesse optar, preferiria morrer em casa . Pesquisas recentes indicam que 80% dos americanos fariam essa opção mas apenas 20% deles conseguem realizar esse desejo.
E aqui está a necessidade de uma Educação para a Morte. A maioria de nós escolheria morrer de uma forma planejada, o mais confortável possível, cercado por quem amamos. “Mas não podemos planejar a nossa morte se não soubermos que estamos morrendo. Nós precisamos aprender como criar um lugar para a morte nas nossas vidas e também a aprender como ter um plano para ela”, escreve a Dra Jessica. “O fato é que, quando os pacientes estão preparados, eles morrem melhor.”

A médica propõe que a Educação Para a Morte entre na grade curricular de todas as escolas do ensino médio. “Eu vejo esse currículo como uma responsabilidade social. Pode soar radical, mas pense comigo: por que a morte deveria ser considerada mais tabu do que o sexo? Ambos são parte natural da vida. Podemos achar que é amedrontador para a garotada falar a respeito, mas eu acredito que as conseqüências de uma má morte são muito mais assustadoras”.

Em sua aula inaugural, a dra Jessica e seu colega, dr Dawn Gross, trataram de colocar na mesa, de cara, os termos mais desconfortáveis: morte, câncer, demência. “Mostramos aos alunos videoclipes de resgates não-realistas em programas de TV como Grey’s Anatomy e os desmistificamos. Descrevemos a realidade nos centros de terapia intensiva sem meias-palavras: os efeitos do prolongamento da vida através de máquinas, a contenção física para os tubos e agulhas, o isolamento“.

Depois dessa abordagem disruptiva, passaram a apresentar a parte reflexiva da aula. Ensinaram os alunos a jogar um jogo de cartas chamado Go Wish , desenhado para facilitar às famílias a abordagem de temas difíceis e necessários de serem conversados: ao jogar com seus amigos ou parentes que estejam atravessando doenças graves, ficamos sabendo, de forma mais lúdica e suave, o que julgam ser importante ou não para eles na perspectiva da morte. A aula abordou também estratégias de conversação com pessoas perto do fim e incentivou os alunos a pensar em de que tipo de cuidados desejariam para seus próprios momentos terminais. A princípio, os alunos ficaram impactados com as imagens dos doentes em hospitais. A seguir, mostraram-se comovidos e inspirados com a proposta de conversar sobre o tema com os avós ou parentes doentes. Alguns falaram pela primeira vez sobre como desejam morrer cercados de amor e livres dos tubos e agulhas. Com coragem e naturalidade, os médicos inauguraram na escola californiana um espaço inédito para um tema sobre o qual fala-se muito pouco: a morte das pessoas queridas, a nossa própria morte.

É difícil pensar em um programa assim possa vir a ser implantado rapidamente em escolas brasileiras. Ou mesmo que seja logo espalhado por outras instituições americanas. O que a dra Jessica Zitter fez foi plantar uma semente inspiradora que que pode nos ajudar a pensar em como tratamos do assunto com nossas próprias famílias, com nossos pais ou filhos. Vamos falar sobre a morte. Educar para a morte é ensinar a viver melhor.