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Na Índia, encontro inesperado inspira reflexões sobre o luto

Em jornada de autoconhecimento após a morte da mãe, a jornalista Julia Ribeiro participou de uma palestra do mestre espiritual Prem Baba. Neste texto, ela relata a experiência e lança um olhar sobre a desordem causada pela perda e os impactos disso na saúde física e mental

Imagem: Julia RibeiroComo já contei aqui no site, no depoimento “Não esquece de ser feliz”, estou em uma jornada de autoconhecimento após a perda da minha mãe há dois anos. Em fevereiro, vivi o momento mais transformador da viagem durante o encontro com o Sri Prem Baba, na Índia, e quero compartilhar as sábias palavras meio budistas, meio indianas e algo freudianas do guru brasileiro sobre a dor do luto. Para começar, preciso dizer que foi um período que despertou um turbilhão de emoções: do caos anárquico das ruas de Old Delhi ao silêncio contemplativo aos pés do Himalaia, o país me fez olhar para dentro. A sincronicidade do universo me fez estar em Rishikesh durante a temporada do mestre espiritual na India. Sem planejar.

Nessa época eu nunca tinha ouvido falar dele, agora tenho um guru pra chamar de meu. Sua formação de psicólogo transformou os satsangs (palestras) em  terapias de grupo. Suas palavras me fizeram sorrir e chorar compulsivamente. Ele me fez olhar para o sofrimento com outra perspectiva e observar a dor com coragem. Me fez compreender a verdade que habita em cada clichê. O maior de todos? Só o amor constrói – e reconstrói – tudo que desmoronou dentro da gente.

“Se eu pudesse resumir a moral da sua história em poucas palavras, seriam elas: perder a mãe é como perder o chão, o teto e as paredes. Mas sempre será possível reconstruir essa casa com vigas e pilares mais resistentes.” Foi assim que a jornalista Laura Capanema sintetizou nossa longa (e lacrimejante) conversa que deu origem ao texto já publicado aqui. Ao responder uma pergunta da platéia – um dia após um terremoto na região – Prem Baba usou a mesma analogia. Na hora pensei: “tenho que compartilhar isso”.

A jornalista Julia Ribeiro em sua jornada de autoconhecimento pela Índia
A jornalista Julia Ribeiro em sua jornada de autoconhecimento pela Índia

“Dependendo da dimensão do tremor, tudo desaba. Isso independe de você estar preparado ou não para a perda. Estar preparado é muito relativo. Então, às vezes, você está esperando um ente querido ir embora e quando ele vai, provoca um impacto tão profundo dentro de você que você não sabe como lidar. O chão desaparece. Tem pessoas que são como um chão para você. Tem pessoas que são como uma casa para você; te dão segurança, você se sente protegido pelo fato daquela pessoa estar viva e quando ela vai, você experimenta uma fragilidade, uma vulnerabilidade que até então não conhecia”, disse ele.

Prem Baba complementa dizendo que mesmo quando a morte é esperada, ninguém sabe como é viver sem a pessoa. Tudo é novidade. E quando acontece na forma de acidente, a tragédia e o impacto são ainda maiores. Ele destaca ainda que a desordem criada no corpo emocional gera consequências que não conseguimos nem dimensionar. “Às vezes desregula seu sistema nervoso, sistema endócrino e abala órgãos específicos. Baixa sua imunidade tremendamente e você fica vulnerável a vírus, bactérias e parasitas que talvez tenham se instalado no momento que você se fragilizou. Você precisa de um médico que te olhe mais profundamente (…) quando você recebe o suporte adequado e tem a chance de aliviar o sofrimento físico, você se abre pra cuidar da desordem mental ”, sugere.

Em determinado momento, Prem Baba leu  o relato inquieto de um homem que, após perder o pai, tio e primo ao mesmo tempo, começou a ter dores nas costas e problemas digestivos. Se sentia exausto e sem energia no trabalho. “A perda de um ente querido provoca impactos de dimensões muitas vezes incalculáveis. Difícil mensurar o que a perda provocou no sistema. Quanto maior o vínculo afetivo, maior o impacto. Muitas vezes abrem-se fendas no corpo emocional e isso consequentemente desestrutura os esquemas do corpo mental. A pessoa entra em desordem psico-emocional que obviamente afeta o corpo energético, que por sua vez pode afetar o físico. Dependendo da área do corpo emocional que a fenda foi aberta”, pondera.

O guru-psicólogo destaca que quando não elaboramos bem uma perda, os sentimentos suprimidos podem causar imenso desequilíbrio. Mas ele dá um caminho. A porta de entrada para o inconsciente pode ser o corpo: “Existem perdas que dão mais trabalho para elaborar. É bem provável que você tenha que lidar com sentimentos suprimidos. Na hora do impacto você empurra os sentimentos para o porão do inconsciente e tranca. E isso é que acaba sustentando, de certa forma, os sintomas. Um outro caminho para a cura é ir direto nesses núcleos. Às vezes precisamos provocar essa descida nos porões dos sentimentos negados. E quando eles estão bem trancados é preciso de um esforço extra para quebrar o cadeado. Utilizamos técnicas de respiração, às vezes algumas práticas corporais ajudam a soltar.”

Por experiência própria, para elaborar perdas é preciso coragem. E tempo. Não tenha pressa. É preciso deixar a rotina retomar seu fluxo e as emoções decantarem. Pode levar meses ou anos. A meditação budista, por exemplo, tem me ajudado muito. É uma jornada diária de auto-conhecimento rumo à consciência plena. Para quem quiser se aventurar pelo universo da meditação recomendo o livro “10% mais feliz: como aprendi a silenciar a mente, reduzi o estresse e encontrei o caminho da felicidade”, de Dan Harris.

A nossa tendência é fugir do incômodo, não falar sobre ele, nem pensar nele, fingir que está tudo bem. Mas quando aprendemos a observar as artimanhas da mente, podemos aprender até com o sofrimento e, assim, seguir em frente mais fortes, mais otimistas e mais conscientes da  impermanência das coisas.

 

Julia Ribeiro tem 35 anos, é jornalista, carioca, filha da Sueli e desde o início de 2016 está viajando o mundo com seu marido

 

Para ouvir na íntegra o Satsang “Qual o impacto da morte de entes queridos?” na Temporada Índia 2017, clique aqui.

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