Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

O que não sabemos dizer ou ouvir

Para quebrar o tabu sobre o luto, temos que poder falar de muitas coisas que não estão no "código social de etiqueta" sobre a morte. O livro Modern Loss, escrito por duas jovens americanas, rompe com as normas do politicamente correto e diz tudo aquilo que muitos enlutados pensam e vivem em silêncio.

Quando começamos a pesquisar, há dois anos, fontes e referências para o nosso site, descobrimos o Modern Loss. Desenvolvido por duas jovens norte-americanas, Rebecca Soffer e Gabrielle Birkner, moradoras de Nova York, o site se identificava em muitos sentidos com o nosso objetivo, que era tratar do luto em um tom direto e coloquial, com franqueza e coragem para quebrar o silêncio que o cerca. As autoras, como nós, tiveram suas próprias perdas difíceis e sabiam como era muito pior enfrentar o luto solitário.

O site modernloss.com quer, assim como nós, derrubar mitos sobre o luto. A começar pelo mito do tempo como o bálsamo possível para um processo que muitos acreditam ter começo e fim. Não tem. O luto não é uma linha reta entre dois pontos estabelecidos. Há o começo e então um “para sempre” que é vivido, todos os dias, todas as 24 horas, de diferentes formas, com diferentes graus de intensidade pelo percurso repleto de gatilhos que reabrem feridas ou também nos devolvem emoções felizes de paz dentro da saudade eterna. “Assim como é importante quebrar o tabu sobre o falso “tempo do luto”, é fundamental reconhecer que o enlutado não é alguém destruído, que a vida continua e que, na verdade, pode ser muito boa e feliz novamente (mesmo que pareça difícil acreditar nisso em algum momento”, escrevem as autoras, Rebecca e Gabrielle, que perderam, respectivamente a mãe em um acidente de automóvel e o pai e a madrasta assassinados dentro de sua casa. Suas histórias, assim como outras 40 de autores convidados, estão reunidas no livro que acabam de lançar, Modern Loss, Candid Conversations about grief. Beginners welcome (Perdas contemporâneas, conversas francas sobre o luto. Iniciantes são bem-vindos), ainda não disponível em português.

O livro é comovente, didático, irreverente e muitas vezes, acredite, divertido. Sim, é possível tratar da morte com humor, geralmente redentor, embora, como muitos outros aspectos ocultos do luto, possa ser mal interpretado por quem vê de fora. Cada uma das histórias ali contadas tem o mérito de abordar diferentes aspectos e seus infinitos impactos sobre a vida das pessoas. O que costumamos fazer ou dizer para quem está sofrendo, além das platitudes e obviedades bem intencionadas , deixa escapar questões profundas. Ou porque “não gostamos de falar” ou porque não conseguimos encaixar esses sentimentos em algum padrão e código de conduta “recomendável”. O livro rompe as barreiras da “etiqueta do luto” e traz depoimentos sobre coisas das quais poucos falam mas muito se identificam.

Separei aqui alguns exemplos:
Os estigmas que envolvem as mortes precoces ou violentas. A garota cujo irmão se suicidou vira muito rapidamente “a garota cujo irmão se suicidou”, no bairro, na escola, entre os conhecidos e passa ser assombrada por esse rótulo, o que agrava a sua dor; a divisão dos bens (mesmo que sejam apenas de valor sentimental) deixados pelos mortos queridos que vai gerar conflito na família e abrir feridas profundas entre irmãos e parentes; ou, por outro lado, os bens deixados por nossos amores que ganham status de relíquias e viram um estorvo físico e emocional em nossas casas…

Entre as coisas sobre as quais não se fala, ou se fala bem baixinho, está a angústia do viúvo gay que perdeu o parceiro com o qual nunca se casou e que não sabe se tem o direito de usar o termo para se auto-designar e a dificuldade das jovens órfãs em irem a casamentos e verem as amigas com seus pais vivos para levá-las ao altar e celebrar a primeira dança. E ainda a “sacralização” de quem morreu, como se falar sobre seus defeitos fosse uma traição póstuma.

Além dos depoimentos, Modern Loss traz também listas práticas sobre “como fazer “ (tem um roteiro ótimo sobre os cuidados ao se espalhar as cinzas dos falecidos e um dicionário certeiro das palavras e frases que ninguém devia falar a um enlutado).

É um livro que faz rir e chorar. Muito. Mas principalmente, nos lembra que temos que respeitar as singularidades das perdas de cada um e, quando virmos alguém vivenciando a sua, admitir que não temos a menor ideia do que ele ou ela está passando.