Inspiração - Reflexões
Atrás de todo luto tem sempre uma história de amor
O “Vamos Falar Sobre O Luto?” é um movimento que se propõe a melhorar a vida de quem passa pela experiência do luto. Partiu de vivências reais de 7 pessoas que se uniram com a intenção de ir além do sofrimento e da saudade. Um grupo de mulheres que se juntou para construir algo que homenageasse nossos queridos que, já do outro lado da vida, nos faziam tanta falta. Mas a intenção também era a de ajudar as pessoas que ficam com a difícil tarefa de reinventar suas vidas após uma perda significativa de alguém amado.
Todas nós trabalhamos com comunicação e resolvemos usar nossas especialidades para criar algo juntas que fosse capaz de trazer um significado maior para a nossa vivência do luto e quem sabe para a de outras pessoas.
O ponto de partida era nossa própria sensação de que falar sobre o luto era complicado. Na maior parte das vezes quem passa por isso é encorajado a pensar e falar o menos possível sobre o assunto e de preferência não traze-lo à mesa porque isso pode atrapalhar o astral do momento. Para além das nossas experiências individuais, hoje sabemos que isso realmente é um tabu e nossa missão passou a ser lutar contra ele, tornar o luto um assunto possível.
É comum, especialmente para quem passa por perdas traumáticas ouvir “não consigo nem imaginar o que você está sentindo”, o que é compreensível. Porém isso nos fez pensar…. se para quem não passou pela experiência é difícil imaginar, para quem passou poderia ser importante trocar sentimentos, falar e ser ouvido, em uma rede de compreensão sobre a vida, a morte e o processo do luto. Um espaço que abrisse a possibilidade de o assunto luto existir e fazer parte da vida das pessoas. Uma abertura para quem vive o luto poder compartilhar sua experiência e aprender com a das outras pessoas. Onde a ajuda de quem está próximo é motivada e orientada. Onde dores e amores se conectam…Mas como trazer essa ideia para a realidade?
COMO COMEÇAMOS
O “Vamos Falar Sobre O Luto?” nasceu a partir de uma pesquisa, outra área de especialidade do nosso grupo. Acreditamos que nada poderia ser mais precioso do que a verdade essencial de cada experiência vivida. Assim, em novembro de 2014 criamos um espaço na internet onde as pessoas que passaram pelo LUTO pudessem nos contar sua jornada em texto livre. Ao analisá-los , entendemos as maiores e mais comuns dificuldades e percepções sobre o luto. Recebemos em torno de 200 depoimentos. Isso já nos chamou a atenção: 200 pessoas que descobriram – através de compartilhamentos – um espacinho na rede para contar sua experiência de luto. Grande parte dessas pessoas falava sobre a importância daquele exercício e cada voz nos reforçava a ideia de que refletir livremente e compreender o próprio processo de luto já era um grande passo e que talvez o seu compartilhamento e aprendizado conjunto pudesse ajudar ainda mais.
Com a análise dos depoimentos conseguimos ter o entendimento do processo dessa vivência e em quais momentos a ajuda era mais importante. Vimos que a experiência do luto (em casos de pessoas muito próximas) convida para uma revisão gigante dos valores de vida e o tom de sua continuidade. Quase que uma reinvenção da sua própria vida (para que seja possível ir para frente sem a presença física daquela pessoa que partiu). Montamos uma apresentação que contava esse início de processo. Convidamos nossos amigos, a comunidade de especialistas e alguns jornalistas próximos para conhecer o projeto e nosso primeiro minidocumentário, feito graças a generosidade da Dea Levy e do Raoni Rodrigues (nossa gratidão).
O LANÇAMENTO E O SITE
O lançamento foi em junho de 2015, no Estúdio Glória. Este dia já foi uma emoção e uma injeção de ânimo. Obrigada a todos os que foram e generosamente compartilharam histórias de amor e dor. A presença das especialistas que se juntavam ao nosso movimento e a matéria que a Thais Heredia apresentou na Globo News nos deu mais energia e confiança. Abrimos um crowdfunding na plataforma da Benfeitoria e conseguimos – também com ajuda preciosa dos amigos, obrigada a cada um – o valor necessário para fazermos o site do “Vamos Falar Sobre O Luto?”. Nesse processo se juntou a nós a jornalista Maria Beatriz Gonçalves, um anjinho da guarda bem competente para tocar o barco para frente todos os dias. Agora virou mamãe e foi cuidar do Santiago, já já está de volta. Olha nosso movimento de amor já tendo seus filhotes.
O site e a competência da Carla Gullo e Bizuka Correa – que também se juntaram a nós – deu alcance ao projeto. A gente estreou em 12 de janeiro, no começo do ano, logo depois das festas, no meio das férias coletivas de verão. Em um 2016 complicado, ano de crise e perrengues, cada uma de nós tendo diante de si muitos desafios pessoais e profissionais. E qual não foi a nossa surpresa: tudo funcionou! O site ficou muito bonito, as ilustrações da Marina Pappi e da Gra Mattar ficaram lindas, o designer Valtinho Bicudo, a programadora Dani e a editora Bia mandaram muito bem. No dia 1, a linda história do Paulo Camossa e sua Amanda (escrito pelo texto primoroso da Laura Capanema) levou nossa audiência às alturas. O navegador não aguentou, o site caiu. Ficamos todas fora do ar, assistindo, atônitas e comovidas, o depoimento do Camossa viralizar e a mídia reproduzir a sua história como se fosse um furo de reportagem! Mas, é verdade: falar desse jeito sobre a morte e o luto era mesmo um furo! Reconhecíamos ali o impacto das histórias de perdas sobre quem precisava de ajuda para se ver com as suas próprias dores em uma linguagem delicada, amorosa, generosa e bonita. Tentamos emprestar das palavras e da estética, a delicadeza necessária para abordarmos o assunto mais misterioso e dolorido da vida que é a morte. E essa conexão (morte é vida e vida é morte) nunca mais se desfez das nossas cabeças e corações.
Comemoramos as primeiras 1.000 pessoas no Facebook (e hoje somos 11.000, que nos permitem alcançar dezenas de milhares de pessoas porque os compartilhamentos são muitos). No site, atingimos o primeiro milhão de visualizações. É comum os comentários dos nossos posts simplesmente marcarem pessoas. É um carinho no meio do dia, alguém que resolve conectar quem se gosta com o nosso site (www.vamosfalarsobreoluto.com.br) ou Facebook, para que sua dor ganhe um abraço de amor.
O QUE ESTAMOS CONSTRUINDO
Todos os filhos alguma hora adquirem vida própria e nós, que gestamos o “Vamos Falar Sobre O Luto?” percebemos que ele também já vai se emancipando em uma rede de afetos. Cada nova história alimenta o desejo coletivo de construir uma percepção mais verdadeira e generosa sobre a vida, a morte e o luto. Um movimento de amor que consegue ganhar força mesmo em um momento histórico marcado pela intolerância.
Também imaginamos que estamos construindo um movimento de apoio e desmistificação da morte. Para que a gente consiga olhar para esta parte da vida com respeito, serenidade e a crença de que é possível crescer nesses momentos de dor. Esse é o sentimento que perpassa todas as histórias.
E assim segue o “Vamos Falar Sobre O Luto?”, que se tornou o projeto das nossas vidas, acima dos nossos planos de carreira e irá seguir independente mesmo de nossa vontade porque já é de todo mundo.
APRENDEMOS TODOS OS DIAS
O luto, como um processo de aprendizado, desapego e compreensão, está sempre em construção. Aprendemos a cada post e a cada conversa. Quanto mais seguimos juntos, mais percebemos que sentimos coisas parecidas. Assim, a vivência do luto naturalmente provoca uma irmandade de sentimentos que queremos transformar em força, entendimento e conforto. Que a rede que o “Vamos Falar Sobre O Luto” construiu e está crescendo nos ajude a levar esse movimento adiante.
Nos falamos todos os dias. Várias vezes ao dia. Temos uma profunda gratidão entre nós pela dedicação conjunta e a possibilidade de vivermos essa experiência. Discutimos os próximos passos da construção do nosso movimento: quais os assuntos, quais as pessoas, quais ajudas seriam de maior valor? Continuamos nos emocionando. Aprendemos que chorar lava a alma e falar ajuda a fazer a faxina das tristezas mais difíceis. Homenageamos nossos filhos, pais, mães, irmãos, sobrinhos, primos, amores e amigos com a nossa dedicação para alimentar essa rede de amor e ajuda.
Por fim, acho que aprendemos a respeitar ainda mais os mistérios da vida e nos colocamos menores, sabendo que qualquer tentativa de controle será um tempo perdido. Tempo, isso também se torna mais valioso quando pensamos na vida e na morte. Fazer cada dia valer por si só e buscar uma vida carregada de significados passou a ser, para nós, um exercício de grande valor.
Nesses quase dois anos de percurso, compreendemos que é possível transformar uma relação e encontrar um lugar único para aqueles que não estão mais ao nosso lado fisicamente mas continuam fazendo parte da nossa vida todos os dias. E que principalmente, atrás de um luto tem sempre uma história de amor. Nosso respeito e homenagem a cada uma delas.
Amanda, Bia, Cynthia, Fernanda, Gisela, Mariane, Rita e Sandra.