Inspiração - Reflexões
Nesse verão, leve sua dor para passear
02 de Janeiro de 2017.
Primeira segunda-feira do ano e uma vida inteira pela frente.
Depois de uma temporada de feriados que (eu sei!) mexeu com o coração de muita gente, pensei em publicar um post mais positivo para re.começar.
A Cris Guerra escreveu, no último post de 2016, que “enlutar-se é se mudar para uma espécie de cela blindada” – a mais pura verdade. Eu me senti habitante desse lugar por um longo período. Ao mesmo tempo, tinha um impulso de vida dentro de mim que me levava adiante e buscava novos lugares, físicos e emocionais. Me mudei para o Rio de Janeiro na fase mais difícil da minha história para ficar perto do sol e do mar. Cheguei em um verão carioca e aqui re.comecei. E isso me fez pensar como mudar de paisagem, ainda que de forma radical, me fez bem.
O convite que eu desejo fazer é bem mais simples e factível:
Que tal aproveitar o verão e levar a sua dor para passear?
Areia entre os dedos, suco de melancia, crianças de férias, cadeiras na calçada. Céu azul, vestidos coloridos, vendedor ambulante, água de coco, mate gelado ou sacolé. Bate-papo sem pressa com os amigos, lágrimas ao lembrar de outros verões, mergulho no mar, cumplicidade. Picolé de uva, pôr do sol cor-de-rosa, banho de cachoeira, uma volta de bicicleta.
Não custa muito tentar.
Não tem contra-indicação.
E a gente não precisa negar a nossa dor para aproveitar o verão.
Pelo contrário: a gente pode apenas sair para um passeio, mudar o cenário e levar tudo com a gente dentro da sacola. Esperança, fé, paciência. Saudade, tristeza, frustração, revolta, dor. Todas elas também são bem-vindas no verão. São parte da vida, não precisam ficar de castigo dentro de casa.
Se não te fizer bem, é só voltar. Mas quem sabe toda essa luz de fora não entra pelas brechas e encontra a luz que brilha, ainda que fraquinha, dentro de você? E volta a fazer seus olhos brilharem, seu coração bater e a metade de um sorriso escapar no seu rosto, mesmo que por apenas alguns segundos?
E no meio de um inverno eu finalmente
aprendi que havia dentro de mim
um verão invencível. (Albert Camus)
A estação mais luminosa do ano nos aguarda logo ali.
E eu espero que o verão habite em nós durante todo ano.
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Uma pequena história familiar
Minha avó paterna, Maria, morreu em 2012 aos 97 anos. Era linda, sábia e lúcida. Achava a vida ‘um colosso’ e iluminava a rua com seu sorriso e positividade. Mas, a partir dos 90 anos, começou a fazer charme e dizer, todo começo de ano, que aquele seria seu último. Não era problema de saúde, era vontade que a gente dissesse: “ai, vó, para com isso”. E a cada ano inventávamos alguma ótima desculpa, como “esse ano vai ter a viagem da família”, ou “os 15 anos do Bernardo, seu bisneto”, ou qualquer outro acontecimento importante, para que ela sempre respondesse “ah, não posso perder, então vou ficar”.
No seu último ano por aqui, falamos que ela não poderia morrer porque gostaríamos de escrever um livro sobre sua vida. Vaidosa que era, minha avó ficou empolgadíssima com a ideia e minha irmã e eu passamos a entrevistá-la de tempos em tempos. Apesar de sempre ter sido uma ótima ouvinte da vó, me encantei com a forma com que ela elaborou suas reflexões e memórias diante do desafio de ser co.autora e personagem principal de um livro. Quando a questionei sobre o segredo de sua felicidade e como ela lidou com as tristezas da vida, minha avó me disse: “minha filha, o segredo é educar o seu temperamento. Só você pode se ajudar.” E a partir daí, me contou que em um dos momentos mais difíceis da sua vida, “saía para ver o mar em Santos, dar uma volta, ver gente… a dor continuava comigo, mas eu levava ela para passear por umas horas e aquilo me fazia bem.”
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Trilha sonora do grande Itamar Assumpção
Milágrimas
Em caso de dor, ponha gelo
Mude o corte do cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema, dê um sorriso
Ainda que amarelo
Esqueça seu cotovelo
Se amargo for já ter sido
Troque já este vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério, deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada milágrimas sai um milagre
Em caso de tristeza vire a mesa
Coma só a sobremesa
Coma somente a cereja
Jogue para cima, faça cena
Cante as rimas de um poema
Sofra apenas, viva apenas
Sendo só fissura, ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura
Faça uma novena, reze um terço
Caia fora do contexto, invente seu endereço
A cada milágrimas sai um milagre
Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal
Sinta o gosto do sal
Gota a gota, uma a uma
Duas, três, dez, cem mil lágrimas, sinta o milagre
A cada milágrimas sai um milagre