Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

Exercício para aliviar a dor

No auge da dor, muitas vezes o corpo fica pra escanteio, como nossa última prioridade. Hoje resolvemos falar como a atividade física pode nos ajudar a viver o luto com mais saúde, serenidade e mexer positivamente com nossas emoções

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Não existe receita de bolo: cada um sabe a dor que sente e vai descobrindo aos poucos o que lhe faz sentir melhor. Mas não é incomum encontrar pessoas que fizeram do exercício físico um grande aliado no seu processo de cura, uma ferramenta poderosa de reconexão com a vida e com o futuro. Correr, nadar, lutar ou praticar qualquer outra atividade pode te ajudar não só fisicamente, mas também emocionalmente.

É fácil acreditar que se exercitar faz bem: é a recomendação dada por todos os profissionais da saúde e o que os estudos de todas as universidades do mundo nos garantem. O esporte ajuda no controle de peso, diabetes e colesterol; na proteção contra doenças cardíacas e alguns tipos de câncer; nos faz dormir melhor e melhora o humor. Sim, durante o exercício o organismo libera neurotransmissores importantes no cérebro, a endorfina e a serotonina, que dão a a sensação de prazer e bem-estar. Muitos dos estudos recentes, como o da Universidade do Texas publicada no Journal of Psychiatric Practice, mostram o como a prática de exercícios regulares (3 a 5 vezes por semana, 45 a 60 minutos), reduzem os sintomas de depressão após apenas 4 semanas.

Difícil é, para muitos, lembrar de si, do seu corpo, ter ânimo para praticar um exercício no auge da dor. No meio de um turbilhão de novas sensações e sentimentos, muita gente esquece de si – mas é justamente nesse momento em que estamos mais frágeis que precisamos usufruir da força do esporte.

Como vimos em um post recente, o rompimento de um vínculo significativo gera stress e o corpo pode se expressar através da dor. Mas ainda que você não sinta dor física, o processo de luto é um banco de novidades emocionais. O professor de psicologia da Harvard Medical School e autor de diversos livros sobre a terapia do luto, J. William Worden, categorizou os possíveis ‘efeitos colaterais’ de um luto normal: sentimentos (tristeza, raiva, culpa, ansiedade, solidão, etc); sensações físicas (aperto no peito, falta de ar, fraqueza muscular, falta de energia etc); cognitivos (descrença, confusão, preocupação, etc); comportamentais (distúrbios de sono, distúrbios do apetite, isolamento social, etc). Não encontrei nenhum estudo específico que relacione luto e exercício físico, mas ao olhar para essa lista de sintomas, acredito que qualquer médico nos diria que poderíamos nos beneficiar de um tratamento acessível a todos e natural, o esporte, sem deixar de lado os demais cuidados.

Então, ainda que lhe falte energia, essa é uma boa hora para sair do sofá e se mexer. Essa também é a opinião da Maíra Liguori, Diretora da ONG Think Olga e criadora do projeto Olga Esporte Clube, que tem como objetivo aproximar as mulheres do mundo dos esportes, bem como ampliar as possibilidades para a prática feminina.

“Entendo o esporte como uma parte fundamental da nossa existência. A sociedade e a cultura nos fazem acreditar de que nosso corpo deve ser tratado como uma coisa à parte, e no caso das mulheres sempre associada à estética. Mas a atividade física, seja no contexto do luto ou de traumas, é uma ferramenta poderosa de reconexão. Nosso corpo É a gente, e não apenas uma parte (funcional) da gente. Assim como a espiritualidade nos reconecta com algo maior, pelo esporte podemos nos reconectar com nós mesmos e assim nos sentirmos mais plenamente conectados com o todo. Quando focamos no corpo, conseguimos nos equilibrar. Não é assim com a meditação? Respiramos e assim nos distanciamos dos problemas e nos vemos a partir de outra perspectivas. O esporte é uma meditação. Aprendi com vocês que o luto tem varias fases e para cada desafio novo o esporte pode colaborar. Na raiva, na prostração ou na indignação, o esporte é tão diverso e tão completo e por isso tem alto potencial de cura. Sempre penso na música da Nina Simone ‘Ain’t got no, I got life’. Ela reconhece o seu corpo e o celebra, apesar de tudo. Acho isso de um poder sem paralelo”

Algumas dicas para você considerar a hipótese, se ainda não está se mexendo:

. Escolha algo que te dê prazer: não é momento de pensar na estética nem em cumprir qualquer outra meta além de ter prazer. Se odeia academia, não vá. Mas quem sabe existe um hobbie que deixou de lado ou um desejo que nunca levou a sério (como dançar ballet?) que você pode começar agora? Esqueça os rótulos, não pense o que vão pensar de você. A única coisa que importa é ser algo que você gosta.

. Convide um(a) amigo(a): se quiser ir sozinho, ok. Mas se estiver com pouca energia, diga para aquele amigo que sempre te pergunta ‘o que posso fazer pra ajudar’ que você precisa de companhia. Ou pelo menos de um empurrãozinho para os primeiros dias.

. Crie um hábito: ir um dia e nunca mais voltar não vai funcionar. Crie metas realistas e siga em frente. Que tal começar um dia sim, um dia não?

. Se der vontade de chorar enquanto se mexe, vá em frente: não se preocupe com o que os outros vão pensar e muito menos pare de correr ou nadar por causa disso. Faz parte, relaxe, aceite e continue se mexendo.

. Consulte um médico: aproveite e procure um médico para ver se está tudo em dia. É comum ver muita gente adoecer ao cuidar de um parente doente ou vivendo um processo difícil de luto. Então antes de sair correndo por aí, veja se está tudo ok com a sua saúde.

Para terminar, Cynthia e Rita, cofundadoras do Vamos falar sobre o luto?, contam para a gente como incluíram novas práticas durante o luto e são gratas a tudo que obtiveram de bem-estar:

Cynthia

“Sentar, respirar fundo, manter a coluna ereta e assentar o corpo em posturas bem simples ou desafiadoras. Ouvir mantras, sentir o cheiro doce do incenso, tomar chá de ervas na saída. Logo depois da morte do meu filho, os finais de tarde no estúdio Ganesha, ali pertinho da Abril, onde eu trabalhava, foram um intervalo de paz no meio do turbilhão recente e doloroso do luto. Era um SPA para a minha alma ferida. Eu começara a praticar ioga poucos meses antes e todo o ritual prazeroso que a envolve nunca fez tanto sentido quanto naqueles dias. Durante uma hora, eu ouvia a voz suave da professora e tudo o que tinha que fazer era manter os pés firmes no chão, contrair e alongar os músculos e expandir o pulmão. Inspirar e expirar me ajudavam (e continuam ajudando) a ter consciência do tempo, a não pensar em nada que não estivesse ali naquela sala, no presente. A ioga me ensinou a me equilibrar no solo e elevar meu coração aos céus. Aprendi que era capaz de aquietar a mente para lembrar de ser feliz. Nunca mais deixei de praticar. Namastê.”

Rita

“No primeiro ano da partida do meu filho, após 2 meses fora do jogo, sentia que tinha que fazer algo que me levasse para frente. E me lembro que eu tinha várias atividades que pudessem me aliviar daquela dor: a terapia, que já fazia naquele momento, se juntou a terapia do luto e a acupuntura. Foi o acupunturista – Richard, um profissional incrível – que me falou que eu precisaria fazer alguma coisa para – fisicamente – minha dor melhorar. E me indicou 2 alternativas que eu prontamente aceitei. A primeira era algum tipo de luta para dar conta da minha raiva. “Mas eu não tenho raiva, Richards” e a resposta dele foi clara: “não tem como não ter raiva, uma hora ou outra isso vai aparecer e é melhor que você tenha algum escape para isso.”  Foi assim que descobri o boxe que tanto me ajudou. A segunda era sair andando, andando, andando, andando sem pensar em parar. O segundo conselho foi igualmente mágico: saia andando, pensando, não pensando, olhando para o nada e dentro de mim as coisas iam melhorando. Mesmo durante o dia de trabalho, eu dava um jeito de fazer umas boas caminhadas. Cheguei a andar 15 kms em um só dia. Isso também me mudou (porque caminho até hoje) e cada vez que eu me punha a andar a ponto de esquecer aonde estava indo, o corpo, a cabeça e o coração agradeciam.”