Inspiração - Belas Histórias
Viajei com minha mulher e voltei só com as crianças
O casal de atores de teatro, Luciano Braga Silva e Eduarda Lourenço de Vasconcellos, juntos há 10 anos, já tinha a filha Amora, então com 4 anos, quando começou a viver a angustiante montanha-russa de emoções que envolvem um câncer grave: a certeza da cura, a esperança, o medo da morte, a celebração da vitória, a recaída e, no final, o apego ao curto tempo que restava. No caso deles, com o parto (que teve que ser antecipado) do filho no meio.
O luto de Luciano, como costumamos dizer aqui, é uma história de amor, cuidado e coragem. No caso dele, de um homem que expõe abertamente seus sentimentos mas admite que toda a rede de proteção recebida nesse processo veio das amigas e familiares mulheres, muito mais acolhedoras da dor alheia do que os homens.
“Quando o tratamento do câncer de mama terminou, viajamos para passar as férias em Minas, com a família da Duda. Acreditávamos que seria o início de uma nova vida, o nosso recomeço depois do sufoco”, conta. Duda nunca voltaria para sua casa, no Rio de Janeiro. Em janeiro de 2014, sentiu-se, novamente, muito fraca. No início, a fadiga foi confundida com depressão, considerada comum ao final de um tratamento pesado como a quimioterapia. Não era. O câncer voltara e já se espalhara pelo fígado, ossos, cérebro.
Luciano e a família optaram por tratá-la na cidade vizinha, Pato de Minas, e contar uma meia verdade para Eduarda: havia um novo tumor no fígado. Ninguém quis tirar dela todas as esperanças. Ele sabia que não tinham muito tempo mas queria prolongá-lo. “Eu precisava dela”. Os últimos dias no hospital mostraram que o apego já não fazia mais sentido. Em coma por dois dias, foi cercada pelo carinho do marido e das amigas, que liam seus livros favoritos e tocavam as músicas de que gostava que Eduarda faleceu, aos 38 anos.
A volta para o apartamento no Rio foi um baque: “Viajei com a minha mulher e estou voltando com as crianças e um pedaço de papel no bolso”, lembra-se de ter pensado. Tinha que segurar a barra e a dor pelas crianças. No dia da morte, contou pessoalmente para os filhos, que não quis levar ao velório. Mesmo para o pequeno Teo, então com um aninho, ele fez questão de falar que a mamãe nao estaria mais com eles.
Nos primeiros tempos, Luciano engoliu o choro e só cuidou das crianças. “Não tinha tempo para cair em depressão”, diz. Sua forma de manter Eduarda por perto foi ficar no mesmo apartamento, conservar tudo igualzinho, não tirar as fotos, nem mesmo as roupas dela do armário. Seu espaço de choro? Eram momentos solitários nos lugares da cidade em que mantinham a maior conexão, como o Parque Lage, onde foram tantas vezes juntos e onde Duda contou que estava grávida novamente. “Eu chorava ali, livremente, nunca tive vergonha de chorar”. Luciano lembra do dia em que, ao passar pela banca de verduras orgânicas onde costumava comprar a couve que batia diariamente no suco verde que preparava para a mulher durante sua convalescência, ele irrompeu em lágrimas. “Ali estava eu, com um maço de couve na mão, chorando convulsivamente. As pessoas vieram me amparar, me trazer um copo de água.”
Durante todo o processo sua rede de proteção foram a família e as amigas da Duda. “Sempre mulheres”, conta,”homens não são bons para essa conversa”. “Durante muito tempo, falei muito da morte da minha mulher. Uma hora parei de falar porque comecei a achar que as pessoas não iam mais agüentar que eu só tivesse esse assunto. Mas por mim, eu continuaria falando”, diz.
No trabalho, onde foi muito bem acolhido, passou por constrangimentos comuns da vida dos enlutados: ‘Quando eu esquecia a tristeza por alguns minutos e dava risada com a turma, logo batia uma culpa. Eu achava que as pessoas me condenariam se eu risse“. Não teve ajuda de qualquer terapeuta ou grupo de apoio mas revela que hoje, ao ler as histórias que publicamos aqui no site, está com vontade de procurar suporte psicológico.
Hoje, três anos depois, olha para trás e vê que tem tido muitos bons momentos e conseguido manter a vida em família feliz. Continua a visitar o Parque Lage, mas pela alegria de estar naquele lugar. Amora, aos 7 anos, fala normalmente da morte da mãe e as pessoas parecem mais incomodadas do que ela quando toca no assunto. “As pessoas ficam paralisadas e depois a olham como coitadinha. A Amora não é uma coitadinha, perdeu a mãe, mas é como todas as crianças do mundo“. Teo não teve tempo de ter memórias sólidas de Eduarda, mas gosta de fantasiá-las e de ver fotos e vídeos.
E você, Luciano? “Estou conseguindo pensar mais em mim, querendo mudar as coisas em casa, de tirar as roupas dos armários e abrir espaço no coração. Sinto que esta é a minha hora de deixar, de fato, a Duda partir”.
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