Inspiração - Belas Histórias
Toda lembrança é uma forma de encontro
No comecinho deste ano, recebemos uma mensagem da Samyra Tazaki Dote, que tem 21 anos e perdeu o pai, o dentista Katsumi Dote, aos 58, vítima de um quadro grave de diabetes, há um ano. Ela contou que chegou a nós quando pesquisava vídeos e textos sobre o processo de luto e decidiu compartilhar conosco um trabalho lindo que passou a fazer depois da sua morte: uma série de bordados com as vivências de pai e filha que ficaram impressas no seu coração. São cenas cotidianas de afeto e ensinamentos recebidos dele que expressam, além da saudade, a imensa gratidão por tudo que viveu ao seu lado.
Os desenhos bordados são fragmentos de uma relação profunda de amor resgatada, depois de uma adolescência de atritos, pouco antes de o pai ficar gravemente doente. Filha única, Samyra saiu da casa dos pais em Londrina, no Paraná, aos 17 anos, para fazer faculdade de Serviço Social no litoral do Estado. Depois de um ano, entendeu que sua vocação era mais voltada para a área da saúde e resolveu trancar sua matrícula. Temeu a reação do pai e teve uma grande surpresa: recebeu seu apoio incondicional e voltou para casa para se preparar para um novo vestibular.
Foi logo no começo desse ano, 2016, em que teria que estudar para a nova prova, que seu pai adoeceu e teve que parar de trabalhar para iniciar o tratamento e fazer sessões de hemodiálise. Ao longo do doloroso processo, que durou menos de um ano, Katsumi alternou, em diversas fases da doença, momentos de delírios e consciência, o que motivou Samyra a escrever em um caderno tudo o que ocorria para contar para ele. Escreveu todos os dias. Em seu diário registrou a reação feliz que o pai, já debilitado, teve ao saber que a filha decidira fazer odontologia e seguir a sua carreira. “Ele mudou o semblante. Foi como se tivesse visto uma luz. Disse que tinha certeza de que tudo ficaria bem”, conta Samyra, que prestou o vestibular no meio do ano e não passou na primeira tentativa. Embora desapontada, entende agora que foi melhor assim: pode passar o pouco tempo que restava ao pai totalmente dedicada a ele, com muitas conversas nas visitas diárias ao hospital.
Depois da sua última cirurgia, Katsumi não recuperou a consciência e nesse momento a filha decidiu se preparar para sua partida. Leu muitos livros sobre a morte e o morrer. “Eu ficava no hospital, bordando, escrevendo e ouvindo música e acreditei que estava pronta”.
Não estava. “Ninguém entende o luto até passar por ele”, diz Samyra, que leu a obra da psiquiatra Elizabeth Kubler-Ross sobre e as 5 fases do luto (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação) e, como a maioria dos enlutados, descobriu que as fases não acontecem necessariamente nessa ordem. Elas se alternam, se embaralham, vem e vão. Um dia a gente aceita, no dia seguinte acorda com muita raiva.
Foi durante esse primeiro ano de luto, onde, ao lado da mãe, Sueli, passou pelo difícil período do “primeiro tudo” (o primeiro aniversário, o primeiro Natal, o primeiro Dia dos Pais), que Samyra teve contato com pessoas que também perderam entes queridos e se sentiu muito confortável em conversar com eles. Entendeu que compartilhar era muito bom. “Me senti acolhida e achei justo dividir esse acolhimento. Gosto muito de ler os recados dos biscoitinhos chineses e encontrei um que me inspirou: ‘Toda lembrança é uma forma de encontro’. Decidi reencontrar o meu pai em seus conselhos pra mim e nossos momentos de afeto. Meu pai era um karateca, um homem muito alegre e corajoso que me dizia: ‘a vida é como uma luta: você tem que entrar sem medo e sem raiva. Eu perdi o medo de tentar. Quero dividir meus bordados e meus sentimentos com as pessoas que possam se alegrar com eles.”.
No início do ano Samyra estava feliz porque passou na primeira fase do vestibular e aguardava confiante o resultado da segunda. Planeja continuar bordando sua história com o pai e fazer uma exposição do seu trabalho.