Inspiração - A gente indica
O luto e a magia de Joan Didion
Recentemente eu assisti mais uma vez ao documentário sobre a jornalista e escritora Joan Didion para fazer uma resenha e indicar para o Vamos Falar Sobre o Luto. É impactante, para dizer o mínimo. Muita gente não conhece essa jornalista, ensaísta e escritora de 82 anos que foi, durante os anos 60, o olhar afiado sobre o momento mais revolucionário do nosso século, a contra-cultura e a explosão lisérgica do movimento hippie. O documentário Joan Didion: The Center Will Not Hold (numa tradução livre, O centro não vai segurar), dirigido por seu sobrinho Griffin Dunne, disponível na Netflix, conta um pouco desse louco capítulo da história do mundo através dos olhos de Didion, uma jovem californiana que conviveu com a turma mais antenada e artística do seu tempo. O filme é, fundamentalmente, o registro de uma história de amor vivida intensamente (como tudo na época) com o marido John Gregory Dunne, também escritor e roteirista. Assim como o sonho livre dos hippies parece ter agonizado simbolicamente no exato dia em que Charles Manson (morto há poucas semanas na prisão!), comanda o assassinado bárbaro da atriz Sharon Tate e mais cinco pessoas por sua “família” de fanáticos enlouquecidos, a história de amor de Joan e John termina no exato dia da morte dele, numa melancólica e gelada véspera de ano novo em Nova York, em 2003. Como os fios entrelaçados de uma tragédia, John é vitima de um ataque fulminante do coração em um momento de desespero em que relata a amigos no telefone o fato de a filha adotiva do casal, Quintana, estar naquele momento com um quadro grave de pneumonia, internada na UTI em um hospital em Los Angeles, onde morava.
O que acontece na “pós-vida” de Joan Didion, mais especificamente, no ano que se segue é o tema do livro que escreveu O Ano do Pensamento Mágico e depois em Noites Azuis, ambos da Editora Nova Fronteira. À perda do marido, viria, a seguir a morte da filha, aos 39 anos, que recuperada da pneumonia e fora do hospital, sofreu logo depois uma queda no aeroporto e não resistiu às conseqüências do traumatismo craniano. O luto de Didion é duplamente avassalador. Mas há algo de mágico e profundamente tocante em sua visão cética sobre a finitude que gera empatia. “O luto é um lugar que nenhum de nós conhece até chegarmos lá.”, escreve. “Sabemos que alguém perto de nós pode morrer, esperamos sentir um choque, mas não esperamos que este choque desloque nosso corpo da nossa mente. Esperamos ficar prostrados, inconsoláveis, loucos com a perda, mas não imaginamos que vamos ficar completamente loucos, acreditando que o marido vai voltar precisando de seus sapatos.”
Tanto os livros como o documentário são um comovente convite à reflexão sobre o amor, a liberdade, a vida e a morte.
Documentário Joan Didion, The Center will not hold (2017, Netflix)
O Ano do Pensamento Mágico ( 2005, Editora Nova Fronteira)
Noites Azuis (2012, Editora Nova Fronteira)