Inspiração - A gente indica
Gente merece existir em prosa
O Inumeráveis foi idealizado pelo artista Edson Pavoni e hoje já conta com uma equipe de 20 jornalistas voluntários. No site, lemos quem foi, por exemplo, Adélia Maria Araújo de Almeida Oliveira – a médica pediátrica de Teresina, Piauí, primeira de uma lista de inumeráveis homenageados.
“Não há quem goste de ser número, gente merece existir em prosa.”, nos disse Edson Pavoni. E o restante da conversa você acompanha aqui:
Como surgiu a ideia do projeto?
O projeto nasceu desse incômodo de todo dia acordar, pegar o celular para olhar ali o número de mortos, aí você acorda um dia e são 68 mortos, no outro são 120, no outro 150 e, de repente, esse número passa a ser um indicador, você começa a olhar para ele de uma forma funcional – é o tempo que falta para dar o pico, o tempo que falta para curva abaixar, quanto tempo falta para gente sair da quarentena – mas esse número, que vai perdendo o significado e adquirindo outros significados, é a quantidade de pessoas que morreram. E cada uma dessas pessoas tem uma história, tem pessoas que amam elas, que estão sofrendo nesse momento e eu estava bem incomodado com essa ideia, então, em um call com um grande amigo meu, o Rogério Oliveira, que fez esse projeto em colaboração comigo, estávamos discutindo sobre esse assunto e pensamos: Será que a gente conta essas histórias? Será que faz sentido? Aí fomos atrás de algumas pessoas, nas nossas redes, que perderam alguém por coronavírus para entrevistar. Quando eu fiz a primeira entrevista, o objetivo era bem simples, eu queria extrair daquele familiar aquilo que fazia daquela pessoa que faleceu uma pessoa única, especial, queria extrair dela imagens muito lindas e que fizessem com que aquela pessoa fosse celebrada, mas eu também estava prestando muita atenção na energia dessa pessoa, se durante a entrevista, pensando no homenageado, nessa pessoa que foi embora, a energia iria diminuir ou aumentar. E, o que aconteceu em 100% das minhas entrevistas até o momento, é que toda vez que eu faço a entrevista com a pessoa e vou conduzindo ela para me contar o que fez do homenageado dela ser essa pessoa incrível, única, especial, a pessoa que está dando a entrevista, que entrou no começo da conversa com um sentimento de luto e tristeza passa a ter um sentimento de luto e celebração no final. Então a energia de celebração, a celebração da vida foi bem presente nessa primeira entrevista que eu fiz e eu fiquei com bastante certeza de que era isso que a gente deveria fazer: um movimento para que as pessoas contem as histórias, porque isso pode ser um movimento de cura, um movimento de conexão, das pessoas com o que está acontecendo no mundo.
E o nome, me explica porque você quis nomeá-lo assim?
O nome Inumeráveis vem da verdade desse projeto, nasceu por causa desse incômodo com número…ficou claro para mim que o nome tinha que beber nessa fonte, quanto mais verdadeira fosse a fonte mais ela ia atravessar e tocar os corações das pessoas.
Qual é o principal objetivo do projeto? O que você gostaria que as pessoas pensassem e/ou sentissem?
A missão dele é contar todas as histórias por trás dos números da pandemia do Brasil…eu escrevi essa poesia que é um resumo poético desse projeto: “Não há quem goste de ser número, gente merece existir em prosa.”
Quais foram os aprendizados desde que começou?
O aprendizado, já de agora, é bem claro para mim…as histórias penetram os corações em um lugar onde os números não conseguem.
Como funciona a publicação das histórias? Quem costuma enviá-las?
O inumeráveis é um projeto artístico e poético, mas também é um projeto jornalístico. Quem pode enviar uma história para o Inumeráveis são familiares ou pessoas muito próximas de alguém que faleceu vítima do Coronavírus no Brasil – é só essa pessoa entrar no site, lá tem um lugar onde ela pode clicar e pode adicionar uma história ela mesma se quiser escrever ou pode clicar ali, responder um questionário e algum jornalista voluntário vai escrever uma história. Ela ainda pode mandar um whatsapp, um áudio com a história e um jornalista voluntário nosso vai escrever esse texto tributo e publicar no memorial. E se você é jornalista ou estudante de jornalismo a gente tem um grupo bem grande, que gostaríamos de crescer mais, principalmente nas periferias das grandes e pequenas cidades, mais espalhado pelo Brasil – um grupo que vai atrás das histórias que não estão sendo contadas – pessoas que buscam fontes, acham fontes, entrevistam familiares, contam histórias e aí sim publicam no memorial.