Inspiração - Como eu me sinto, Reflexões
Minha história de Natal
“Cultuar, não. Respeitar, sim. Por não ter medida, cada dor merece antes de tudo o nosso silêncio, o que se estende à forma de reagir a ela, que depende de cada trajetória. E aquilo de que damos conta não nos qualifica em maior ou menor grau. Mesmo que o mundo diga o contrário.” (“Fundo do poço, o lugar mais visitado do mundo: notas de viagem” de Cris Guerra)
Então, olha ele aí de novo. Com suas luzes, corrida pelos presentes, os preparativos pela ceia (este ano já pode? De que tamanho?), um misto de mau humor, trânsito e stress, com uma vontade enorme de encontrar as pessoas queridas (muitas que a gente não podia ver antes da terceira e redentora dose da vacina!) Pois, então, é Natal outra vez e tem gente que se reúne na véspera, tem gente que festeja no dia 25, tem quem cante, quem adore a comida e os vinhos. E… tem quem preferia fechar os olhos e acordar lá pelo dia 6 ou 7 de janeiro. Ufa, já passou tudo? Posso sair da posição fetal?
De verdade, é muito difícil para quem perdeu alguém amado atravessar as festas sem desejar que o mundo pare um pouquinho e fique bem quieto pra doer menos. Mas… espera, tem também quem encontre conforto e calor no coração justamente nesses momentos em que a família e os amigos estão pertinho para poder receber um acolhimento genuíno da sua rede de afetos. Pois é, o luto, essa condição singular, pessoal e muitas vezes indecifrável, não admite receita nem mesmo para definir em que situação a saudade vai ser insuportável, ou, ao contrário, vai nos remeter às memórias felizes, emocionantes e muito, muito boas de quem não está mais aqui. Cada enlutado, portanto, com o perdão do clichê, sabe de si. E deve ser respeitado. Se decidir ir à festa, vai. Se preferir ficar, fica. Se quiser ir e ficar calado e triste, ok também. Se quiser ir e conversar sobre a pessoa querida que não está mais lá, perfeito. Não tem certo ou errado. Só tem, de novo, respeito. E acolhimento à decisão, seja qual for.
Na minha história pessoal, houve uma decisão que pode parecer muito difícil mas confesso que foi, intuitivamente, a mais fácil. Meu querido filho Gabriel partiu, há 20 anos, em uma véspera de Natal… tinha 20 anos e presentes debaixo de uma árvore toda enfeitada na sala de casa. O mundo parou de verdade naquele dia. E silenciou não só a sua voz, como todas as nossas vozes, todas as nossas músicas, toda a nossa alegria, nossa vida. O Iel adorava festas. Comemorava muitos aniversários, gostava de gente e alegria em volta. E ele sempre teve o Natal com muita gente na família: primeiro na casa dos avós, depois na nossa.
Não foi difícil a minha escolha: no ano seguinte ia ter Natal e ele não estaria lá. Mas o Natal seria dele, para ele, como tem sido nos últimos 20 anos. É, para mim, agridoce o sabor dessas festas: mistura de amor e dor e sempre, sempre saudade. Mas tenho certeza de que seria pior sem elas . Seria só o silêncio.
Conto minha história para dividir com você o meu maior aprendizado em todos esses anos: não tem certo e errado. Apenas escolhas. Que, inclusive, podem mudar de um momento para o outro. Por isso, hoje, dê um presente para si mesmo ou para alguém enlutado perto de você: apenas acolha.
Feliz Natal
Assim a dor se dissolveu. E então pude ver certa beleza nesse incontrolável da vida. A dor pode ser um privilégio quando nos leva a outros lugares.” (“Fundo do poço, o lugar mais visitado do mundo: notas de viagem” Cris Guerra)