Inspiração - Como eu me sinto
Como falar sobre a morte com crianças? Não roube o sentimento de tristeza
Como falar sobre a morte com uma criança? Quando alguém faz essa pergunta, geralmente está diante do falecimento de alguém próximo. E, muitas vezes, imerso em sua própria dor, o que torna a necessidade de amparar o outro mais desafiadora. Devo disfarçar a tristeza? Enxugar as lágrimas? Chorar escondido? Levar a criança ao funeral?
Ou, se a perda foi de um animal de estimação: devemos dizer que o cachorro viajou e volta logo? Substituir o peixinho dourado no aquário por um igual e mudar de assunto? Não falamos sobre a morte, não fomos educados nem educamos para a morte e, quando ela surge (e sempre surge) e leva alguém querido ou um pet, nos deparamos com a dificuldade enorme de conversar sobre a finitude com as crianças. Afinal, o que fazer agora se tudo o que eu desejo é que ele não fique triste?
A questão é compreensível, mas parte de uma premissa equivocada: a de que, nós, adultos, seremos capazes de proteger os filhos de sentir dor. É um duplo engano: primeiro, achar que podemos poupá-los do sofrimento e, segundo, acreditar que, ao blindá-los do sentimento de tristeza, estamos fazendo um bem a eles, cumprindo o nosso papel.
Há uma noção de parentalidade equivocada que se baseia na ideia de que nossa missão é fazer nossos filhos felizes. “Vemos muitas vezes as proteções excessivas, mais a serviço da necessidade de controle sobre o sofrimento dos filhos do que efetivamente de uma necessidade da criança”, diz a terapeuta e especialista em luto Gabriela Casellato. Como não é possível controlar a morte, busca-se prevenir seu impacto impedindo que estabeleçam laços afetivos. “O que vemos são pais com muito medo de ver os filhos indo para a vida. Cada vez mais as pessoas temem se envolver em novas vivências e relacionamentos com medo de se machucar.”
Inspirada no que tem observado em seus estudos e clínica, a psicóloga, autora de diversas publicações sobre o tema do luto, escreve seu primeiro livro infantil sobre essa “permissão” para criar vínculos amorosos. O livro “Lembrança de Aniversário” (Helvetia Edições, 2022) conta a história de um garoto que tenta convencer a mãe a permitir que ele fique com o peixinho dourado que ganhou na festa de um amigo.
Temerosa da fragilidade e brevidade da vida dos pets, a mãe nunca deixou que o filho tivesse umm. O livro é contado na primeira pessoa de uma criança justamente para fazer essa pergunta: por que as crianças não podem lidar com coisas difíceis? A própria criança narradora questiona: será que eu sou feita de papel? Sou feita de vidro? É melhor não ter amigos, não conhecer lugares, não viver aventuras, não experimentar coisas novas só para não ficar triste quando estas coisas acabarem?
O texto convida os pais a pensarem quem é realmente frágil na relação. “É essa a provocação: ter coragem de experimentar a vida junto com nossos filhos e ajudá-los a experimentarem a vida, incluindo as dores dessa experiência”, diz Casellato.
“Tenho tentado ajudar meus pacientes a lidar com essa atitude de superproteção, de achar que a criança não precisa passar por isso, que ela pode ser poupada, esses equívocos que vão distorcendo nossa relação com a vida e vão atrofiando nossos músculos para lidar com a dor da perda quando a vida nos impõe. A experiência com bichos na infância é uma experiência psico educativa de exercitar aquilo que na vida a gente vai passar. Nós vamos perder, nós vamos morrer. Por que não exercitar isso desde cedo? Alguns pais pensam que quanto mais se poupar os filhos disso, melhor. Esse poupar está mais a serviço de tirar a imunidade do que de ganhar conforto. A experiência dói. É muito duro ver alguém pequeno enfrentando a dor, mas ela nos ajuda a entender nossos próprios recursos.”
O livro trata de resiliência e de como podemos desenvolvê-la nos nossos filhos pequenos. “Enfrentar a vida é um exercício desses músculos existenciais. Isso significa amar, experimentar, correr riscos, viver aventuras. Sair da zona de conforto. A gente vive hoje uma geração de jovens que são tão poupados que estão tendo muita dificuldade de lidar com as gerações e as dores da vida. Temos criado jovens com baixa resistência à frustração”, diz a terapeuta.
E como a perda de um peixinho dourado pode ajudar na compreensão do significado da morte?
“Qualquer contato com a morte leva uma criança a estabelecer uma relação com esse conceito: o que é morrer? O que acontece com o peixinho quando ele morre? O que a gente faz com esse corpo morto? É um processo de psico-educação. Outro conceito muito valioso é : ficar triste é difícil, mas é possível. Nós podemos enfrentar a tristeza. Esse é um aprendizado muito valioso numa sociedade que luta tanto contra o sentimento da tristeza” afirma a psicóloga que tem inúmeras caixinhas de fósforo com peixinhos enterrados no seu jardim ao longo da infância dos filhos.
Se os bichos morrem, outras criaturas também morrem: meus pais, meus parentes. É natural que ele pense que a morte ocorre e não está só lá na velhice. Quando a criança chega nesse raciocínio e faz essa pergunta, essa indagação já mora dentro dela. E quando ela mora dentro dela, dá a ela a chance de refletir sobre ela.
É uma conversa e uma disponibilidade que dá aos pais a oportunidade de lidarem melhor com as perguntas dos filhos. Ser feliz o tempo todo não é uma realidade ou uma expectativa possível. O que podemos prover para os filhos são bons recursos para enfrentar a vida, que eles tenham experiências ricas na vida, que tenham um sentido, um propósito para viver.
“Quando a gente rouba o exercício da tristeza, ou impede que ela aconteça, a gente está ensinando uma expectativa distorcida sobre a vida. Se sentir triste é normal e, no contexto da morte, esperado. E a gente dá conta.” Essa experiência de conhecimento sobre si mesmo é muito valiosa.
Há uma maneira amorosa e delicada de lidar com o tema difícil da perda com uma criança no momento em que uma morte acontece. Acesse o Vamos Falar Sobre o Luto e leia os diversos posts com informações práticas que podem ajudar bastante sobre o tema.
Para ler esse texto da autora e mais textos, acesse o site www.vamosfalarsobreoluto.com.br