Inspiração - A gente indica
Nosso convite para o lugar mais visitado do mundo: o fundo do poço
Texto originalmente publicado na coluna Vamos Falar Sobre o Luto no UOL
Somos testemunhas. O assunto luto evoluiu e já derrubou muitas barreiras desde que lançamos o site “Vamos Falar Sobre O Luto”, em 2016.
Mas o quanto ainda falta para ser encarado não cabe neste texto. Recentemente, tive uma demonstração do quanto os assuntos de perda, dor e tristeza ainda têm chão para merecerem respeito.
Na viagem de fim de ano levei meu livro “O Fundo do Poço” (Editora Melhoramentos), da Cris Guerra. Como esperei por esse livro! E ele tinha enfim sido publicado. Eu caminhava com ele por onde ia, de tão apaixonada pelo seu conteúdo, pelo texto e pela história da Cris. E não importa onde estivesse, na praia, na casa de amigos ou no restaurante, as pessoas olhavam para aquele título com espanto e um gesto de desconforto.
Só um amigo, entre vinte e tantas pessoas, se interessou. Dei o meu exemplar a ele, depois de acabar de ler. Já comprei outro, quero um sempre por perto. Mas o ponto é a reação de estranhamento das pessoas de quem eu quase podia ler o pensamento: vem a Ritz de férias.
Sim. E como foi bom. Hoje sei que não separamos o fundo da superfície do poço nem tampouco as nossas alegrias das nossas tristezas. Esses dois lados, conectados, têm um equilíbrio necessário. Assim é a vida: coisas boas e ruins, descidas e subidas, tristezas e alegrias, lutas e glórias.
Meu pedaço mais difícil foi quando o Paulo, meu filho de 28 anos, morreu subitamente. Isso me levou direto ao fundo do poço. Foi esse luto que me motivou a ser uma das primeiras leitoras desse título da Cris Guerra (ela é publicitária, escreve bem que só ela e tem vários outros livros publicados). A Cris também teve seu pedaço de dor quando perdeu o marido. Ela estava com 7 meses de gravidez do Francisco —que hoje tem 15 anos.
A autora fala no livro que não tem a pretensão de evitar a nossa dor, mas sim colocar luz no que a dor pode nos ensinar: “Posso dizer que cada uma das minhas viagens ao Fundo do Poço me ajudou a fazer as pazes com esse destino que faz parte da vida. E assim ficou mais fácil seguir em frente”. Nesse pensamento, do prefácio do livro, a autora junta duas coisas que antes me pareciam antagônicas: a dor pode nos ajudar a seguir em frente. Que lindo e que libertador, Cris.
Penso que a dor não é uma escolha. Muitas vezes ela vem e você não tem como brigar com aquilo. Assim que me deparei com a profunda dor de nunca mais ver o meu filho nessa vida, fiz um pacto comigo: “não acelere a sua recuperação”.
O tamanho dessa dor não permite planos de saída. Mas isso não quer dizer que me larguei nela ou me paralisei. Eu lutei com unhas e dentes para não desistir da viagem. Mas com o tempo eu não briguei. Deixei que a dor da falta do meu filho me fizesse companhia: hora vinha de forma avassaladora, hora ficava quietinha no meu coração, representando meu infinito amor pelo Paulo. Mas nem por isso abandonei minhas alegrias, alguns prazeres possíveis, paz de espírito quando conseguia e ficar feliz perto das pessoas que amo e que tanto me ajudaram naquele momento. A dor não me impediu de nada disso. Acho que o que fiz foi aquilo que a Cris fala no livro: o problema não é ir para o fundo do poço. O problema é ir e não voltar melhor da viagem.
forma como a Cris descreve o fundo do poço é pura poesia: “Silencioso e solitário, sim. Mas com uma vista incrível para o Céu e outra para dentro de nós mesmos. Melhor respirar, não ter pressa”.
Se eu fosse você, visitaria o livro da Cris. Desencorajaria o medo. Iria ao fundo do poço, se necessário. Esse livro tem o poder de fazer você ver poesia na dor, viajar pela sua vida com mais consciência e aprender que: “É sobre saber viver enquanto você está lá. É sobre, eventualmente, gostar de passar um período ali. Sobre aprender que o medo, a coragem, os desejos, os sonhos, as dores, as dúvidas e os fantasmas são companheiros de viagem. Sobre não esperar o tempo em que não houver medo para começar a viver. É sobre a vida ser viagem, e não chegada”.
Para finalizar, deixo aqui um texto que a Cris escreveu para o filho Francisco, que me representa:
Nas horas tristes, filho, não
diga nada.
Coloque um silêncio bem alto
no aparelho de som.
E comece a escrever bem baixinho.
(Chorar até pode, desde
que não embace a vista.)
Só não pare: tristeza é pra
escrever.
Tome posse dessa dor que é
toda sua.
Até que passe e venha outra
mais bonita.
Obrigada, Cris. Sua história e sensibilidade nos inspira, nos ensina e melhora nossa viagem.