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Cerimônia do adeus: existe certo ou errado no funeral de alguém amado?

Existe certo ou errado quando o assunto é funeral?
Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) no funeral de Big (Cris Noth), na série ‘And Just Like That’ | Imagem: Reprodução/HBO

Texto originalmente publicado na coluna Vamos Falar Sobre o Luto no UOL

 

Existe o certo e o errado para celebrar o funeral de alguém amado?

Nenhuma definição de luto apresenta uma lista única de reações ou sentimentos que manifestamos diante de uma perda. E sabe por quê? Porque essa regulagem é absolutamente individual, esse conjunto de reações e emoções pode ser diferente para cada pessoa.

E se é diferente para cada pessoa, existe certo ou errado de vivenciá-lo? Não. A começar pela forma com que começamos a despedida, o ritual do funeral. É tradicional, mas não precisa ser sempre igual. Aqui no Brasil tem um script mais ou menos formal: procurar a funerária, escolher um caixão, comprar uma coroa de flores, e correr para iniciar o velório o mais rápido possível. Geralmente, as pessoas mais próximas estão abaladas demais para participar das escolhas. Delega-se a organização e o resultado é quase sempre algo anódino, impessoal.

Recentemente assisti à série “And Just Like That”, uma continuação da série original “Sex And The City”, lembram-se? Sou de uma geração que vibrou e se identificou muito com Carrie Bradshaw e suas amigas no final dos anos 90 e estava muito curiosa para ver a evolução das personagens 20 anos depois. Para quem ainda não assistiu (a temporada completa está disponível na HBO Max) aviso aqui que darei spoilers.

Logo no primeiro capítulo, o marido da protagonista, grande crush de sua vida, sofre uma parada cardíaca e morre. A partir daí, a narrativa da série se volta para o luto —e suas muitas camadas. A primeira é exatamente o planejamento do funeral. A viúva descarta a opção de uma funerária tradicional americana, pela falta de estética e conexão com tudo o que marido era e representava. Elege, por fim, um espaço minimalista, com decoração superclean e sofisticada e fica à frente de toda a liturgia e organização do ritual. Impecável, chique e personalizado. Totalmente exposta ao julgamento de todos, mas exatamente como ela planejou.

Ouvi muitas críticas, aqui na vida real, sobre a viúva Carrie ter sido retratada com frieza, sobre a sua atenção aos detalhes em um momento de tanta dor, sobre estar bem-vestida demais, penteada demais, e principalmente, sobre ter chorado pouco.

Para saber mais sobre o tal protocolo nas cerimônias fora do Brasil, fui conversar com Caitlin Doughty, agente funerária americana, escritora, blogueira e youtuber (“Ask a Mortician”), que fala sobre a morte e as práticas da indústria funerária dos Estados Unidos. A expressão em inglês “paying respect” (prestar homenagem) traduz bem a cultura americana quando se trata de um funeral. Diferentemente do que acontece no Brasil, o funeral americano não é feito logo após a morte. A celebração acontece pelo menos uma semana depois do falecimento, deixando um espaço maior de planejamento e organização.

 

“Para um funeral de alto nível, de alguém que tinha status elevado e em um lugar como Nova York, é esperado que tudo ocorra com toda a pompa e circunstância. Eles pedirão à pessoa mais famosa que conhecem para enviar um depoimento, coral, música ao vivo, as flores certas, um programa pré-definido para o ritual etc. No entanto, esse não é o caso da maioria das famílias nos Estados Unidos. Hoje as pessoas estão se voltando para funerais mais simples, mais significativos e inclusive focados no meio ambiente”.

Caitlin Doughty, agente funerária americana.

 

Caitlin se refere à tendência de se levar em consideração o impacto ambiental do enterro ou cremação, motivo pelo qual já existem muitas opções sustentáveis. Este é um assunto muito importante e eu prometo falar dele em uma próxima coluna.

O funeral pode ser um momento muito doloroso, mas também dos mais catárticos. Não precisa ser tudo urgente e corrido, não precisamos nos limitar às opções a que estamos habituados, porque existe um jeito pessoal. A maior parte das pessoas desconhece, mas aqui no Brasil existe, sim, a liberdade de fazer o funeral algum tempo depois do falecimento. Dois dias, uma semana, até um mês depois. Não existe nenhuma lei que diga que o velório deve ser no mesmo dia da morte, essa escolha é sua.

Muitas empresas —funerárias, cemitérios e crematórios— estão preparadas para assumir a guarda do corpo com segurança e de forma humanizada até que o velório aconteça. Celebrar o funeral mais tarde dá a oportunidade das pessoas se organizarem melhor para participarem, permite que parentes e amigos que vivem em outras cidades se organizem para estar presentes. Proporciona a ampliação da sua rede de suporte.

É possível participar da preparação do corpo, escolher a roupa que mais combina com o que aquela pessoa representava em vida. Uma amiga me contou que quis vestir a avó quando ela faleceu e que essa experiência, apesar de exigir um esforço emocional enorme, foi para ela um último abraço importante, uma despedida particular em forma de retribuição a tudo o que aquela mulher significou.

Existe a liberdade de escolher o lugar. O velório pode ser em casa, em um teatro, com palco e cortina vermelha. Se a sala de velório tradicional não o agrada, pode-se fazer tudo diferente. Já assisti a funerais de umbanda com tambor e dress code, onde todos vestiam roupas brancas. Já assisti a um funeral religioso africano com muita cantoria e dança. A dor estava presente, porém expressa e acolhida.

Embora a sua dor possa ser devastadora, um funeral significativo, inclusivo e personalizado tocará profundamente sua família, seus amigos e os amigos da pessoa que morreu. E você mesmo. Ter amigos e familiares ao nosso redor nesse momento nos ajuda a perceber que ainda vivemos e que a relação com a pessoa que partiu ainda existe, não mais com a presença física, mas com as memórias construídas.

O protocolo é fazer sentido.