Inspiração - Como eu me sinto
O brilho eterno da memória de quem amamos
Texto originalmente publicado na coluna Vamos Falar Sobre o Luto no UOL
Eu e minhas colegas do projeto Vamos Falar Sobre o Luto temos um grupo de Whatsapp onde trocamos ideias, pautas, dicas, depoimentos e desabafos (e algumas lagriminhas também) sobre o tema de que tratamos. É um canal em que cada uma de nós exerce livremente aquilo que defendemos para todo mundo: falamos sobre o luto. O meu, o delas, os nossos.
Na última semana, a Mariane Maciel tocou no delicado tema da memória: “Eu tenho ficado angustiada porque estou esquecendo a voz da minha mãe e não tenho nenhum vídeo dela”. A Fernanda Ferraz emendou: “Neste fim de semana, pensei em algo parecido e fiquei triste: achei que estava perdendo a nitidez do meu pai”. As frases ficaram atravessadas na minha garganta.
Fecho os olhos e sei que a voz do meu filho, de quem também não tenho vídeos, está ali, registrada em algum canto da mente, que acesso com mais dificuldade do que a imagem do seu rosto (ou o formato dos dedos das suas mãos). Ela está lá e nem sempre é fácil ouvi-la.
A nossa conversa derivou para a lembrança de um texto que a própria Mariane escreveu no nosso site. Há quase seis anos, seu post falava da tecnologia em favor da memória. Naquele momento, a rede social mais potente (talvez a única) ainda era o Facebook e sua novidade em termos de legado digital eram as páginas memoriais de quem partiu. Havia também a notícia de uma startup russa de inteligência artificial que prometia a criação de um chatbot que, a partir de nossos rastros digitais, manteria uma interação online pós-morte. Não temos registro de que a iniciativa tenha prosperado, ao menos não de forma comercial.
Ainda não temos a produção de replicantes de pessoas falecidas na forma de robôs realistas como os mostrados em um episódio da clássica série “Black Mirror”, Be Right Back, na Netflix. Mas algumas empresas digitais têm inovações menos pretensiosas e igualmente fascinantes.
Nossa colega (também colunista aqui no UOL), estudiosa da morte e do luto, Gisela Adissi me apresentou alguns desses aplicativos geniais. O “Hereafter – Save The Stories of Someone You Love” guarda as histórias de alguém que você ama e permite que você construa seu próprio avatar de voz para que as pessoas continuem a ouvir suas histórias e suas ideias sobre a vida contadas por você mesmo, de forma interativa. Você grava uma entrevista com um especialista em memória, que é codificada e depois acessada de forma a “responder” a diferentes perguntas que qualquer pessoa autorizada pode acessar.
O mais próximo do futuro replicante digital é o projeto “With Me”, ainda sem data de lançamento. O aplicativo de uma empresa sul-coreana cria avatares 3D que vão permitir conversar e interagir (até fazer selfies com você) através das telas. Para isso, é necessário que a pessoa, ainda em vida, faça um escaneamento 3D para que o software possa reproduzi-lo no mundo virtual, tanto em aparência quanto em personalidade.
O meu favorito (e já disponível) é o aplicativo que permite “colar” o som da pessoa amada na sua pele. Através do “Skin Motion”, você tatua ondas sonoras como códigos de barra que, uma vez acionados pelo celular, reproduzem o som previamente gravado: uma frase, risada, uma música. Achei lindo, gostoso e poético.
Todos esses recursos, porém, são apenas ferramentas, mais ou menos sofisticadas, que facilitam o acesso ao instrumento mais poderoso de preservação de quem amamos: a nossa memória. E a capacidade de preservá-la. Eu acredito que, além das possibilidades tecnológicas de conservação ou recomposição de quem amamos através de inteligência artificial, a ciência, em algum momento, vai permitir que nosso acesso a eles seja cada vez possível e natural através dos recursos ainda tão pouco explorados do nosso próprio cérebro. Vamos aprender a gravar e ouvir dentro de nós —e para sempre— as vozes de quem amamos.