Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

Sem pai nem mãe

Como inverter os papéis para cuidar dos pais? E como aprender a fazer isso em apenas seis meses, quando ambos adoecem e morrem vítimas de cânceres simultâneos? A jornalista Claudia Giudice conta sua história de coragem e amor em um diário de tirar o fôlego
Claudia Giudice com a foto dos pais, Marina e Paulo

A gente gosta de pensar na nossa linha do tempo seguindo uma “ordem natural”. Nascemos, crescemos, envelhecemos. Envelhecem, ao mesmo tempo, nossos pais que um dia, lá na frente, morrerão. Serenos, com a sensação de vida cumprida. Tudo certo. Só que não é nada disso. Não só a tal ordem natural nos trai e subverte o tal tempo certo, como aprendemos que não há tempo certo. Não há o envelhecimento certo, não há ocaso sereno. O que há, de fato, é que a velhice dos pais, se os tivermos nessa versão bem-vinda do ciclo virtuoso, não chega necessariamente acompanhada de bem estar e saúde. O que há, sem escapatória, é, por parte deles, um grau de dependência que pode variar mas que, inexoravelmente, acarreta algum nível de cuidado. Fomos cuidados por nossos pais, aprendemos meio na intuição a cuidar dos filhos, se os tivermos, mas será que sabemos inverter os papéis e cuidar dos nossos pais? Será que eles sabem se deixar cuidar? Será que queremos esse papel? Será que tem um curso? Uma apostila?

Sem curso, apostila ou planejamento, a jornalista e escritora paulistana Claudia Giudice, ex-executiva de uma grande editora e atualmente dona de uma pousada na Bahia. nos ajuda a responder essas perguntas e a refletir sobre essas questões a partir da própria experiência. Ela viveu, no cenário por si só desafiador do cuidado, uma experiência absurdamente radical: em seis meses enfrentou a doença e a morte de ambos os pais, com uma pandemia e muito sofrimento no meio. “Comecei a escrever por vício. Sempre que algo me aflige, me preocupa, me dói muito, eu escrevo”, narra no prólogo do seu novo livro. Sem Pai Nem MãeDiário de luto e amor após perder meus pais para o câncer em seis meses (2023, Editora Máquina de Livros, R$58,00) é, como explica o titulo, o diário dessa jornada visceral. E há muito a aprender com ele.

 

Seu relato encanta pela franqueza, crueza,  ternura, pela intimidade exposta, por assumir o desconhecimento da empreitada gigante diante de si e por nos conduzir, a cada dia, registro e anotação, ao terreno do luto antecipatório, dos cuidados paliativos, da esperança que persiste, dos esforços sobre-humanos, do amor incondicional.

Não por acaso, a autora nomeia alguns capítulos conforme desbrava o caminho: Aprendendo 1, Aprendendo 2, Aprendendo 3. Claudia aprende e nos ensina também: a pedir ajuda, a viver um dia de cada vez, a se despedir todos os dias. Amorosamente.

Eu tive o privilégio de ser uma das primeiras leitoras da primeira do livro e, depois de pronto, a grande honra de fazer sua apresentação. Sou grata ao que ele ensina e recomendo a leitura que nos transporta, a um território até hoje sem mapa. Repito aqui o que escrevi lá e que, de alguma forma, justifica tudo: “Sem Pai Nem mãe, é, o tempo todo uma linda história de amor. Que se agiganta perto do fim. E não acaba nunca.”