Esse projeto é um convite para quebrar o tabu. Um canal de inspiração e de informação para quem vive o luto e para quem deseja ajudar

O tempo dos tempos no luto

Sempre ouvi falar do tempo da revolta, do tempo da negação, do tempo da aceitação... como sendo as fases do luto. Após cinco anos da partida do meu filho, faço uma reflexão pessoal sobre as reviravoltas do tempo e as surpresas que ele me traz

imagem: Eder Pozo Perez

Assim como a Internet subverteu o conceito de espaço (conectando tudo e todos independentemente de onde estejam), a morte tende a transformar a noção do tempo. Quanto tempo tem a saudade? Quanto tempo vou levar para melhorar pelo menos um pouquinho? Quanto tempo vai ser necessário até que eu consiga voltar para a vida? E para sorrir, quanto tempo leva?

Essas são as questões iniciais que nossa tristeza nos leva a pensar frente ao luto. Após o susto inesquecível da partida do meu filho Paulo, quando encontrava alguém que tinha passado por algo parecido eu perguntava: “essa dor vai melhorar”? Interessante que a resposta era sempre a mesma: “a saudade nunca passa”. E estavam certos, a saudade nunca passa, só dá uma trégua e volta rapidinho. Todas as horas e todos os dias são oportunidades de nos lembrarmos de quem fazia (e ainda faz) parte da nossa vida e da nossa alma. Tá, já entendi, a saudade nunca passa. Nunca é uma medida de tempo então o tempo da saudade é eterno.

Quanto à outra resposta, a que ninguém ousa arriscar, o meu percurso me levou a acreditar que sim: o tempo tudo melhora e isso também é verdade no luto. Mas o tempo de melhora não é linear. Há tempos em que nos sentimos fortes e outros em que retrocedemos em nossa compreensão sobre a falta que tanto dói.

E são tantos os tempos.

imagem: reprodução

O tempo da notícia, o tempo da revolta. O tempo do choro, o tempo da aceitação e também o da negação. O tempo de levantar e (tentar) refazer o caminho que segue agora bem diferente. O tempo de trabalhar e o de falhar. O tempo de continuar.

Existe tempo de sorrir, por exemplo: quando eu vou dar o meu primeiro sorriso? E o tempo de mostrar que estou sorrindo? Este tempo não tem tempo. Sorrir não é sinal de não sofrer, sempre é tempo de sorrir e escolher ser feliz mesmo que, por um tempo, isso seja quase impossível. Com o tempo, a felicidade começa a chegar pertinho e a mostrar algumas possibilidades, cada uma no seu tempo.

Tempo de continuar não significa esquecer. Às vezes, muito tempo depois, a gente sente como se fosse um tempão antes. O mesmo amor, a mesma sensação de felicidade nas lembranças de um abraço, de um almoço de família alegre, de palavras trocadas ou de um instante inesquecível.

De tempos em tempos o tempo fica suspenso. Um tempo que não se conta, não se breca e nem se acelera. É o tempo da alma, aquele tempo-espaço de convivência mágica que conseguimos alcançar com quem se ama e que, há algum tempo, convive com a gente de um jeito diferente. Hoje, quando me perguntei se 5 anos é pouco ou muito tempo, eu entendi que é apenas o tempo que o tempo tem. Com meu filho eu cultivo, acima de tudo, uma linda medida do tempo, a do meu amor infinito e eterno.

Por fim, penso no tempo mais precioso de todos, o tempo do agora. E de novo me lembro do Paulo e sua partida precoce aos 28 anos. Isso é pouco, por ter partido tão jovem. E é tanto na riqueza de cada instante da sua breve existência.

É, os tempos do luto parecem confusos mas não tenho qualquer intenção de organizá-los. Me misturo aos seus diferentes tempos. Assim aprendi a respeitar os momentos difíceis, aproveitar os momentos das boas lembranças e buscar o tempo do conforto que, de tempos em tempos, ainda bem, também aparece. E então chega o tempo de agradecer o privilégio de ser sua mãe, Paulo e amá-lo eternamente nessa confusão de tempos e sentimentos.

 

+ Leia mais:

Quanto tempo vai durar esse sofrimento?

251 dias sem você