Inspiração - Reflexões
O Dia dos Mortos é um ritual de amor
O que significa pra você o Dia de Finados?
Antes de começar a viver, pensar e falar sobre o luto, não compreendia ou valorizava a ideia de um dia para mortos. Nada contra cemitérios, pelo contrário: cresci na rua de trás de um dos maiores de São Paulo, o Araçá e, desde pequena, gostava de me aventurar entre seus túmulos e mausoléus, caminhar por suas alamedas, ler as placas, ver fotos dos falecidos pregadas nas lápides (num tempo em que era comum colocar esses retratos e em que não havia vandalismo ou roubo de vasos, estatuetas, adereços de cobre e inscrições). Mesmo com toda a minha familiaridade com esse terreno dos mortos, achava que eles poderiam ser visitados e ter seus jazigos limpos enfeitados de flores a qualquer momento. Por que um dia específico?
Na minha memória infantil e pouco elaborada, o Dia de Finados significava simplesmente uma porção de carros estacionados em frente à minha casa e um batalhão de gente com semblantes meio fechados que se locomovia até o cemitério sob o sol quente de novembro para cumprir uma obrigação difícil ditada pelo calendário. Não havia nada de belo, sagrado ou inspirador nessa visão.
O meu olhar mudou muito desde então. A morte, ou melhor, a consciência da morte, que tanto nos ajuda a entender a vida, dá novos significados à história e tradições. Hoje, para mim, a data do calendário é um marco de amor. Não me deixa triste, mas me comove sempre. Não preciso do feriado nacional para reverenciar meu filho, Gabriel, que partiu há 20 anos, ou meu pai e avós. Mas me valho da energia poderosa de tantos corações e mentes que pensam juntos, nesse mesmo dia, nos amores que se foram, para conduzir meu pensamento para fora da vida, ou para o que há de grandioso além da vida. E ficar mais perto de quem que já não podemos ver ou tocar.
Continuo gostando dos cemitérios. Hoje, não freqüento mais o Araçá da minha infância mas o Gethsemani, onde estão sepultados meus mortos queridos. Não há ali túmulos de mármore negro ou as estátuas imponentes de anjos e santos que povoam minhas lembranças, apenas placas de bronze com nomes e datas sobre o gramado. Gosto de estar ali em dias comuns, ouvir musica nos fones de ouvido, conversar baixinho, levar flores e acender incensos. Mas em Finados é diferente: o lugar fica lotado de rostos desconhecidos, de novas flores e cheiros. Ali ,próximo ao jazigo da minha família, há diversas tumbas de famílias coreanas, cujo costume é celebrar seus mortos com banquetes de comidas. Nos últimos anos, há uma programação especial com grupos de musica, corais ou bandas. Nao chega a ser a festa esfuziante do Dia de Los Muertos, a linda tradição mexicana, mas é para o padrão brasileiro uma evolução no bem vindo percurso de misturar vida e morte, sem preconceito. Celebrar o Dia de Finados é olhar para nossa própria finitude.
Aqui no nosso site, já escrevemos muito sobre os ritos e seus significados. Releio o post escrito pela publicitária e escritora mineira Beth Bylaardt , pesquisadora de tecnologias sagradas : “O Dia dos Mortos é sobre isso: sobre não esquecer dos que já se foram. A nossa história nao se escreve sem eles, nem para trás, nem para frente. Se nao olharmos para os nossos mortos, nao podemos seguir vivendo. (leia o artigo completo em O Dia de Los Muertos, essa imensa celebração da vida e também Vamos Falar (mais) sobre o luto com as crianças?)
Amanhã eu vou ao cemitério levar minhas flores e preces. E, também, meus netos pequenos que para que possam, ao colocar uma flor sobre a placa de bronze para os tios e bisavós, começar a entender sua história, de onde vieram, e partilharmos da infinita grandeza da vida.